Navigation Menu

É a primeira vez que
você acessa este blog
neste computador!


Deseja ver antes
nossa apresentação?


SIM NÃO

O Que Pensar Sobre o Pluralismo Religioso?

Noutro dia, quando eu estava passeando em um bom sebo, deparei-me com um interessante livro de Jeffrey Moses, "Unidade", publicado pela Sextante em 2009. O subtítulo me pescou: "Os princípios comuns a todas as religiões", e, logo abaixo, uma citação do Dalai-Lama, descrito como "Sua Santidade". É claro que esse material me provocou! Mas não de maneira ofensiva - muito pelo contrário. Embora o objetivo do autor seja, de certo modo, mostrar que não importa muito qual religião você segue, já que a maioria prega basicamente a mesma coisa, logo brotaram na minha mente alguns dizeres de C. S. Lewis sobre o tema - o argumento em prol do pluralismo, em minhas maquinações mentais, foi revertido para uma defesa da fé cristã. Considerando preço do livro, não resisti e o comprei. Vejamos alguns dos seus dizeres:

A obra de Moses se divide em dezenas de tópicos morais, oferecendo, em cada um, as regras das mais diversas religiões que o favorecem. Alguns dos tópicos são: ama o teu próximo; há um só Deus; preserva a Terra; colhemos o que semeamos; honra teu pai e tua mãe; não julgues; ama teu inimigo; a bênção da hospitalidade; a bênção da caridade; dar sem esperar receber... Ele é provocador ao intitular essas regras universais fazendo uso, geralmente, da ordem conforme está na Bíblia, reduzindo, intencionalmente ou não, o cristianismo às demais religiões. Trata-se de um reducionismo, de uma simplificação, que, embora nutra interesses políticos pela paz, ignora as diferenças incontáveis e irreconciliáveis que existem entre as crenças e que lhes atribuem valor e singularidade.

a - Ama o teu próximo:
- Judaísmo: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo."
- Cristianismo: "Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros como eu vos amei... assim sereis reconhecidos como meus discípulos, se tiverdes o mesmo amor uns pelos outros."
- Hinduísmo: "Um homem adquire uma boa regra de conduta quando vê o próximo como a si mesmo."
- Budismo: "Só é feliz o homem pleno de amor por todas as coisas do mundo e que pratica a virtude em benefício dos outros."
- Confucionismo: "Procura estar em harmonia com todos; sê amigo dos teus irmãos."
- Islamismo: "Ninguém é crente se não tiver amor ao próximo e se não amar seu irmão como ele é."

b - Há um só Deus:
- Judaísmo: "O Senhor é Deus no Céu e na Terra; não há nenhum outro."
- Cristianismo: "Há um só Deus e pai de todos, que está acima de todos, e em todos vós."
- Hinduísmo: "Ele é o Deus único oculto em todos os seres, que a tudo permeia, o Eu dentro de todos os seres, vigiando todos os mundos, habitando em todos os seres."
- Siquismo: "Há apenas um Deus cujo nome é verdadeiro. Ele é o criador, imortal, eterno, sem princípio nem fim."
- Sufismo: "Tudo isso é Deus. Deus é tudo o que existe."
- Bahaísmo: "Ele, na verdade, é, em toda a eternidade, único na Sua Essência, único nos Seus atributos, único nas Suas obras."

c- Ama teu inimigo:
- Judaísmo: "Se teu inimigo tem fome, dá-lhe pão para comer; e se ele está sedento, dá-lhe água para beber."
- Cristianismo: "Ama os teus inimigos, faz bem àqueles que te odeiam."
- Islamismo: "Não digas que se as pessoas te fizerem o bem, tu farás o bem a elas; e que se as pessoas te oprimirem, tu as oprimirás. Mas determina que se as pessoas te fizerem bem, tu lhes farás o bem; e se elas te oprimirem, tu não as oprimirás."
- Confucionismo: "Indagaram a Confúcio: 'O que dizes do comentário: 'Retribui a inimizade com bondade?' E ele respondeu: 'Como retribuirias a bondade bondade então? Retribui a bondade com bondade e a inimizade com justiça'."
- Hinduísmo: "Conquista com presentes um homem que nunca dá nada; domina os mentirosos com a verdade; derrota um homem irado com a gentileza; e vence o homem mau com a bondade."
- Jainismo: "Vence a ira com o perdão... e a mentira com a honestidade."
Fonte: Unidade, Jeffrey Moses, Sextante, 2009, pgs 21, 25 e 51.

Não acho necessário copiar aqui uma lista exaustiva. Tenhamos esses três pontos como amostra suficiente para as nossas reflexões, conscientes de que o livro aborda várias dezenas deles. E não é problema algum que encontremos tais semelhanças! Acho, porém, que pode ser um tiro no pé buscar a paz mundial afirmando que todas as religiões são a mesma coisa, pois se todas estão certas, todas, em certo sentido, estão erradas - já que, nesse caso, não há, em absoluto, um "certo". Se qualquer coisa é Deus, com Deus sendo tudo, então Deus não é nada - é apenas um nome diferente para chamar qualquer coisa. O pluralismo, com seu relativismo, tenta buscar uma consciência moral universal aniquilando, justamente, a única coisa que atribui sentido à moralidade, que é a existência de um Criador - você percebe que, para o pluralista, que almeja a paz, o que importa não é tanto se Deus existe ou não, mas que as pessoas vivam de modo moralmente correto. Até porque, não tem como afirmar que existe um único Deus e, ao mesmo tempo, sustentar a existência de vários - e de divindades antagônicas, que se anulam. Duas divindades distintas que pregam o exclusivismo não podem coexistir , como é o caso de Alá e YHWH. Quando eu prego que os deuses pagãos existem todos ao lado de Cristo e de Alá, estou simplesmente anulando qualquer base sólida para a possibilidade racional da religião, reduzindo-a a um mero acordo político entre os homens. 

Quando eu impossibilito a existência de Deus através do relativismo, a paz que eu quero universalizar, que toma como base a moral comum*, simplesmente não se sustenta, pois não há fontes naturais para a moral - e nem motivos de ser moral que possam vir a ser observados na natureza, principalmente para a moral sacrificial. Já existe uma moral universal, logo, eu não preciso criar uma religião sintética que abarca toda a crença e crendice artificialmente, ou reduzir todas as existentes ao mesmo ponto, para favorecer a paz - onde a moral se sustentará quando não houver mais divindade? Ela será como o pluralismo: um mero acordo político baseado em conveniência humana e tão volúvel quanto. De qualquer forma, a paz que procuramos não deve ser dissociada da coerência, da verdade - não creio que seja viável forçar uma união doutrinária inconcebível para produzir uma suposta paz. Existem outros caminhos, como a sustentação da moralidade universal para, preservando as singularidades das religiões - e assim protegendo os fundamentos da moralidade -, instigar a tolerância, o amor e o diálogo. A paz que vem disso é uma paz inteligente, não embasada na covardia e na omissão. Se é que se pode acreditar que, algum dia, de fato exista paz em nosso mundo depravado - que se condena pela própria moral que sustenta. Vale a pena arriscar as bases da moralidade em favor de uma utopia? 

Outra questão interessante a ser abordada aqui é, independentemente de as religiões pregarem uma moral parecida, se todas têm como objeto de existência a pregação moral. Uma coisa é a moral fazer parte de uma religião, outra muito diferente é essa religião existir simplesmente para a pregação da moralidade. Acredito que todas as religiões realmente seriam a mesma coisa se, pregando moralidade parecida, objetivassem unanimemente o instaurar de uma sociedade moralmente aceitável. Mas não é o caso! Religiões sapienciais, como o budismo e o hinduísmo, podem até ter como objetivo a disposição de uma série de normas de conduta que sirvam para aperfeiçoar o homem, mas as religiões proféticas, como o islamismo, o judaísmo e o cristianismo, apesar de apresentarem semelhante código de regras e orientações, militam por outra coisa. O cristianismo, por exemplo, é categórico ao informar que, embora as boas obras e intenções sejam de grande valor, a aproximação da divindade se dá apenas pela iniciativa da própria divindade, que aperfeiçoa o homem - não é o homem que se aperfeiçoa para aproximar-se dela -, logo, a mensagem cristã não é moral, é profética: trata-se de uma revelação divina objetivando o reatar dos laços entre Deus e os homens, não apenas instruir o ser humano sobre como construir, com seu esforço, um mundo mais agradável. É por esse motivo que as Escrituras cristãs não pregam a moralidade artificial maquinada pelo pluralismo religioso: quando entram em conflito a paz com o Estado ou o próximo e a fé em Cristo Jesus, o fiel deve optar pela fé, desrespeitando a norma que atrapalhe sua adoração ou produzindo a ira de familiares opositores - ele deve escolher pelo Sumo Bem, que é o próprio Criador. Não se trata da moral pela moral - de covarde omissão com objetivos conciliatórios, egoístas e políticos. De forma alguma, portanto, o cerne do cristianismo reside no erigir uma sociedade perfeita - isso é o próprio Deus que o fará. A fé cristã é bastante sóbria nesse sentido, desapegando-se da utopia.

Moses, ao apresentar a lista de similaridades entre as religiões, nos presenteia com outra conclusão, mesmo que não seja intencional da sua parte: ele favorece a moralidade universal, a chamada Lei Natural, e faz-nos perceber que a moralidade humana sempre foi entendida pelo homem como algo associado ao divino. Aqui nós temos a demonstração de que, ao longo de quase toda a nossa história, percebemos que a moralidade não é algo que extraímos do ambiente natural - na verdade, a natureza, sempre tão hostil ao ser humano, mais facilmente nos faria caminhar numa direção oposta às veredas do "fazer o bem". A moral não foi uma conquista, algo que o homem desenterrou desse mundo ou de si mesmo, como criatura semelhante às demais, que são amorais: segundo nós mesmos reconhecemos, e que está expressado na ligação entre fé e moral, a noção de certo e de errado é produto e está intimamente associada ao Eterno. Esse é um ponto que, por si só, desfavorece o pluralismo, comentado anteriormente: a moral depende de Deus, pois veio diretamente dEle, e, portanto, afirmar que Deus é tudo - e, por conclusão, que Ele é coisa nenhuma -, é o mesmo que dinamitar todos os fundamentos para uma vida reta. É claro que, havendo uma moral universal, que carregamos desde o nascimento - e que é inata, já que todas as pessoas do mundo inteiro tendem a discerni-la -, o fim da religião não impossibilitaria o "fazer o bem", apenas o deslegitimaria e, o deslegitimando, favoreceria construções filosóficas capazes de burlá-lo sem culpa, promovendo atrocidades do tipo que presenciamos no Século XX, o primeiro desde o início da Era Cristã no qual Deus esteve isolado do andamento da sociedade. Seguiríamos comportando-nos moralmente mesmo sem o Criador por inércia, por costume e conveniência, mas não passaríamos muito tempo com a tão sonhada "paz" - perceba que as sociedades comunistas do Século XX, desprovidas de um observador moral externo, do guardião divino da moral, mataram aproximadamente 100 milhões de pessoas.

É interessante, nesse ponto, observar algumas colocações de C. S. Lewis na introdução d'O Problema do Sofrimento, reimpresso pela Vida em 2013: para Lewis, tanto a crença em Deus quanto a moralidade não podem ser absorvidas do mundo natural. O medo de seres sobrenaturais sempre acompanhou o ente humano e esse pavor é tão singular que recebeu um nome específico, uma vez que é um medo de categoria diferente daquele que temos diante de perigos naturais: Numioso. O medo do assombro, o pavor, não pode ter saído da simples relação do homem com a natureza. Para justificar a posição, Lewis nos oferece a seguinte ilustração: pense no tipo de medo que você teria diante de um tigre e no medo que teria diante de um fantasma. Não é necessário desenvolver muito a questão, pois quem reflete sobre o que foi sugerido, instintivamente sabe que há diferença. O pensador faz-nos, então, perceber que não há somente uma diferença de quantidade de medo entre tigre e fantasma, mas uma diferença na qualidade do medo: é de outro tipo. Temos pavor do Estranho - o fantasma é temido não por ser perigoso, mas "diferente". Há os que afirmam que o medo de tigres evoluiu para o medo de fantasmas por influência da reverência aos chefes tribais, o que suscita a seguinte interrogação: de onde, então, veio tal reverência? O assombro, a reverência ao Estranho, o Numioso, não encontra raízes lógicas no ambiente natural. Mas o Numioso, por si só, não é moral - ele é neutro.

Apesar de o Numioso em si mesmo ser neutro, o ser humano é uma criatura moral. Em comum com o Numioso, a moralidade também é um salto para além de qualquer coisa que a natureza possa sugerir, mas, de qualquer forma, existe e, assim como o Numioso, pode ser tão antiga quanto a humanidade. É engraçado como, além de ser algo isolado do ambiente natural, a moralidade apresentou-se ao ser humano, em todas as culturas, prescrevendo um comportamento que as pessoas que o adotam não conseguem colocar em prática e, assim, todos os seres humanos reconhecem que estão condenados. Sendo a ideia do Numioso amoral, é possível que uma sociedade moral o tenha e que a moralidade e o Espanto não entrem em contato - existiram vários povos que desenvolveram filosofias profundas, mas mantiveram cultos tribais focados em rituais que objetivavam o apetecer da implacável divindade, suprimindo o medo.

Há, porém, uma outra categoria de religião, resultante da fusão entre a moral e o Espanto. Nesse tipo de religião, o pavoroso Numioso se torna o guardião da moralidade. São duas coisas péssimas unidas: o Numioso, por si só, já faz o homem estremecer, enquanto a moral, com sua exigência, naturalmente promove senso de culpa e demérito. Colocar o Espanto como guardião da moral é o maior dos pesadelos, pois o erro, agora, é passível do movimento retaliativo do Numioso. Através dessa demonstração, Lewis conclui que, da mesma forma que é impossível que a moral e o Espanto tenham saído da natureza, é absolutamente inconcebível que o homem tenha desejado fundir os dois. Sendo assim, a associação entre a moral e a divindade não é criação humana, mas algo que existe por si mesma. É necessário que, para passar das religiões primitivas, baseadas no medo, para os monoteísmos mais sofisticados, ocorra um salto para o qual não há comando evolutivo. Essa relação só é possível quando Deus instila em nós um temor espiritual que esteja unido ao Deus que tudo criou e que dirige a moralidade.
Fonte: O Problema do Sofrimento, C. S. Lewis, Vida, 2013, pgs 17-31.

Onde quero chegar com tudo isso? Ao simples fato de que religião e moralidade são tão antigas quanto o ser humano e que não são criação humana, mas coisas com as quais já nascemos. O movimento de afirmar que tudo é Deus e que, portanto, Deus é o mesmo que nada - e que todos os caminhos levam para o Nada -, é um atentado contra as nossas convicções mais básicas. O pluralismo pode ser existencialmente mais insuportável do que a ausência de paz plena no mundo, já que nos afasta, querendo ou não, de coisas que fundamentam a nossa identidade. Aquilo que há de mais fundamental em nossa alma e em nossa mente não suporta a ideia de todas as religiões são exatamente a mesma coisa. Em outros momentos da história predominou algo como um pluralismo religioso, como nos últimos séculos do Império Romano, mas raramente esse tipo de sistema se sustentou - tanto a religião clássica, que apresentava incoerentemente deuses imorais como guardiões da moral (um dos objetos das mais ácidas críticas dos filósofos gregos), quanto o pluralismo religioso, que pelo relativismo não sustenta a moral, mais cedo ou mais tarde se curvaram ao tipo de fé que a maioria dos seres humanos almeja: num único e exclusivo Deus, que é moralmente compatível com o comportamento reto que exige dos seres humanos. 

Existem ainda hoje religiões inclusivas, que abraçam todas as formas de crença, entendendo que por detrás de tudo há um único Deus. Dentre essas religiões, podemos citar o hinduísmo e o budismo. Para o hinduísta, que sustenta a existência de centenas de milhões de divindades - o número de adeptos se parece com o número de deuses -, aceitar que divindades doutras raízes existam como emanações do Deus Verdadeiro, não é problema. Mas é impossível que YHWH tenha emanado da divindade primordial hindu, pois, por definição, YHWH é a própria divindade eterna e exclusiva - Ele não pode ser aceito como "apenas mais uma divindade". Tampouco pode ser YHWH um outro nome para a divindade criadora hindu (Prajapati ou Brahma), pois a natureza e as características dessas divindades são antagônicas: YHWH é relacional e pessoal, Prajapati só aparece para criar Brahma; YHWH não se manifesta em divindades menores, enquanto a divindade primordial do hinduísmo tem todos os outros deuses, "bons" ou "maus", como reflexos seus; YHWH é um Deus moral, é Bom, não é neutro, enquanto, para o hinduísmo, a divindade está para além do bem e do mal, sendo tanto o bem quanto o mal meras ilusões. No hinduísmo, portanto, ainda que a pregação de boa conduta esteja associada ao divino, a moralidade não encontra uma boa base de sustentação, já que bem e mal, em absoluto, não existem. A pregação moral hindu, por consequência, se entrelaça apenas superficialmente com a religião, acompanhando-a e não necessariamente emanando dela, sendo apenas mais uma parte de todo o conjunto de fatores que constituem a sociedade a que pertence. Eis aqui mais uma evidência de que o inclusivismo religioso sempre acaba promovendo o afastamento da moralidade - uma religião relativista não é capaz de sustentar a moral e esta, por sua vez, precisa sobreviver através de outros meios. A situação é tal, que muitos estão considerando essa religião - se é que é uma religião só - mais como uma cultura do que um credo. Geralmente, o culto hinduísta permanece como uma série de rituais desenvolvidos somente para obter o favorecimento da divindade, aplacando a sua ira.

O budismo, que brotou do hinduísmo, pode ser considerado inclusivista, pois seu desenvolvimento está dissociado de uma divindade específica, sendo mais uma filosofia antropocêntrica de vida, que objetiva o aperfeiçoamento humano e a auto-salvação, que ocorre quando o homem, através de um comportamento moral aceitável, consegue chegar ao Nirvana, que é o estado de "não-ser", uma realidade eterna de impessoalidade, sendo um com a energia cósmica. Essa realidade final também é amoral, revelando que, no fundo, bem e mal são apenas ilusões, percepções de uma realidade menos elevada. Novamente, o inclusivismo é consequência ou gerador do afastamento da moralidade. Apesar de ser considerado como ateísta por alguns, o budismo propicia um comportamento reto na obtenção da impessoalidade e amoralidade do Nirvana, mas, para além disso, a moral não encontra fundamentos sólidos. É um meio desprendido de qualquer divindade para chegar ao estágio divino - a moral, por si mesma, não encontra justificativa de ser. Por ser mais um modo de vida, diversas formas de budismo estão se espalhando atualmente e o budismo está em ascensão: ele conseguiu, de certa forma, burlar a associação entre a moral e o Numioso, tornando-se humanamente mais aceitável - se mostrando fruto de algo que o ser humano gostaria muito de criar -, e, como não há um guardião da moral, sendo o homem o responsável por protegê-la e administrá-la, largando o peso de suas atitudes na conta daquele que for a sua próxima encarnação, na vida vindoura, diminui-se a culpa e o medo. Por isso essa religião, se é que se pode considerá-la como tal, depende muito da moralidade inata e do sentimento de culpa que reside no ser humano para além de qualquer construção filosófica que o negue: em si mesma, a moral não encontra sentido, se não nos interesses individualistas do ser humano, que se comporta de determinado modo esperando recompensa, e no que há de compaixão no nosso coração, almejando, para além da mera razão, a preservação do próximo - nem que "o próximo" seja o "eu" da próxima vida.

Retornando para Lewis, tanto a moral quanto a religião vieram de fatores externos à natureza e não necessariamente se associam com profundidade. Os preceitos morais inseridos numa religião que relativiza a moral, como o hinduísmo, são mais fruto da comunicação da religião com a moral inerente ao ser humano, do que aspectos primordiais da religião em si - a religião foi moralizada pela moralidade, não tendo sido ela a responsável por apresentar essa moral. De alguma forma, porém, os hindus conseguiram colocar o comportamento moral sob a vigilância dos deuses, mesmo que, em última instância, a sua fé não ofereça bases para legitimar o que é certo e o que é errado. Temos aqui um exemplo claro do que Lewis falou sobre a caminhada simultânea da fé e da moral sem que elas dependam intensamente uma da outra. São dois aspectos exclusivamente humanos e deslocados da natureza caminhando em coordenação, como resultado de um contato natural entre eles - as religiões decorrentes disso poderiam ser tranquilamente, por conclusão, resultado de maquinações humanas. Como a fé dessa natureza tende a moralizar-se sob a influência humana, ela, por si só, é desmoralizante: a moral que a acompanha vem de uma fonte e de um esforço externos e o seu relativismo inclusivista está em contínuo conflito com a moral inata que carregamos. Não me parece possível, sob nenhum aspecto, afirmar que todas as religiões são iguais. Até mesmo os fundamentos morais que ostentam, por mais parecidos que sejam, não falam muito sobre unidade.

Agora foquemos nas religiões exclusivistas que carregam, como as inclusivistas, a moral acompanhada da divindade. Não estamos falando do animismo e do panteísmo, que, por terem tudo como se fosse Deus, na verdade sustentam que Deus não é nada. Nesse ponto, saindo da categoria das religiões sapienciais, só podemos falar das religiões teístas, que pregam um Deus Eterno e externo ao universo, e das religiões proféticas, que resultam não de uma descoberta, mas de uma revelação do próprio Deus. Diferentemente das religiões sapienciais, que apresentam modos de vida que podem associar-se a outras espiritualidades, as religiões proféticas são fundamentalmente exclusivas: nada que está fora delas pode, em hipótese alguma, estar correto. Elas são monoteístas - judaísmo, cristianismo e islamismo -, crendo que apenas um único Deus combina com o ideal de perfeição moral - e eis o diferencial dessas religiões: nelas o divino é indissociável da moralidade. Esse passo pavoroso, de ter a moral sob o cuidado do divino, é antinatural, diferentemente da relação entre fé e moral nas religiões inclusivistas, como fruto de uma moralização gradativa e muito humana da religião. É por isso que a religião profética se posiciona como resultado de revelação: o homem, por conta, jamais inventaria nem a moral, nem a religião e, muito menos, colocaria a moral sob a tutela divina somente para ser julgado e inevitavelmente condenado. O que fica claro nesse tipo de religião é que a moral encontra sua justificativa no próprio Deus, emanando dEle, que é relacional e moralmente perfeito - eis uma base sólida para a moralidade, que não vislumbra alicerces no mundo natural e nem razão plena de ser numa religião moralmente relativista.

Como já foi introduzido, a moralidade não pode vir da natureza - do mundo natural nós podemos colher coisas como "eu quero" ou "eu não quero", mas nunca o "eu devo" ou "eu não devo". Como conclusão, temos que atestar que ela foi inserida no homem pela própria divindade. É fácil imaginar no que esse raciocínio vai dar: se a moral foi inserida no ser humano pela divindade, então essa divindade não pode favorecer uma religião desprovida de uma moralidade absoluta. Bem e mal são coisas objetivas, não ilusões, e, portanto, a religião proveniente do Criador que nos fez morais não pode relativizar a moralidade ou se desenvolver sem considerá-la, como que apenas superficialmente associada a ela. Nesse caso, as religiões inclusivistas não podem representar a verdade sobre a divindade. Apenas um Deus chamado de Bom pode responder às exigências de uma moral objetiva e, para além de preservá-la, supri-la. O caminho é justamente o contrário das religiões inclusivistas, que comprometem a moral para se sustentarem: o senso de certo e errado é fortalecido. O cristianismo, por sua vez, além de sustentar com poder a Lei Natural, deixa muito claro que nós não podemos nos comportar moralmente bem com base em desejos egoístas, tentando merecer a aceitação divina - o que, por si só, é uma imoralidade. Na sua sobriedade, o cristianismo reconhece que a depravação humana é tal que o homem, imperfeito, é incapaz de merecer qualquer coisa do Deus perfeito - é a divindade que se aproxima do ser humano e, depois de resgatá-Lo, o estimula a viver a moral que já lhe é inata da maneira correta. Eis outra diferença: nas religiões sapienciais, a moral, por mais que seja, em certo nível, relativa, é necessária como um meio para elevar o homem ao nível de divindade - sendo ela tida de modo interesseiro -, se caracterizando, logo, por um tipo de fé que prega o homem moralmente correto como um meio para um fim amoral, enquanto o cristianismo, não tendo a moral como um meio e nem um fim, mas apenas o Deus moralmente perfeito, a observa como resultado de uma vida centrada no Criador, quando este já nos aceitou - a moral já existe antes de o homem tornar-se cristão, mas ganha novo sentido e outra intensidade quando este se converte.

Feito todo esse movimento lógico, concluímos que a Lei Natural, tendo sido inserida no homem pelo Deus Verdadeiro, acompanhou-nos em nossa jornada religiosa e amoral - ou até mesmo imoral - animista, que veio a constituir religiões como o hinduísmo e, posteriormente, o budismo. As religiões animistas primordiais não relacionavam-se com a moral, mas o contato delas com a moralidade foi, ao longo de seu processo de sofisticação, carregando-as de certo teor de moralidade. Entretanto, a outra perspectiva de religião, que pode ter precedido o próprio animismo, associa a moral ao divino desde o começo, com o senso de certo e errado emanando dEle - associação que pode perdurar até hoje, em maior ou menor grau, nas diversas crenças, mas que está latente nas religiões exclusivistas, como se elas preservassem de modo mais gritante a combinação entre a verdade moral e o Numioso, herdada do próprio Criador desde os primórdios e reascendida em Abraão pela revelação do divino, tornando-o o pai do grosso dessas religiões, pai de praticamente todas as religiões proféticas. A conclusão imediata de tudo isso é que o pluralismo não faz sentido algum, pois as religiões são qualitativamente diferentes e até mesmo a sua abordagem sobre a moralidade, ainda que os preceitos morais sejam parecidos, é incompatível - uma prega a moral apesar da religião e a outra a prega por causa da religião.

Leitor, perceba isso: o que une as religiões de nosso mundo não é a mesma divindade, como se existisse um Deus por detrás de todos os deuses, mas a Lei Natural, que é aquilo que toda a humanidade, de todos os tempos, sabe que é certo e errado independentemente da religião, mas que pode vir a ser propagado e preservado por ela. É fato que a moral veio de Deus e esteve presente na experiência humana edênica, sobrevivendo em nossa mente desde então, persistindo com, por meio ou apesar da religião, fazendo-se presente no comportamento, nas filosofias e nas máximas religiosas, sejam elas de interesse espiritual ou meramente político. A única coisa que essas religiões tem de semelhante é o fator humano e o ser humano, como já dissemos, é moral - elas não falam sobre as mesmas coisas em tudo, apenas, quanto muito, concordam em aspectos de comportamento, nalgumas histórias mitológicas, percepções de mundo e rituais. Elas não são a mesma coisa! No islamismo a salvação exige o cumprimento dos deveres dos Cinco Pilares do Islamismo: recitar o credo islâmico, orar cinco vezes ao dia, jejuar, dar esmola e fazer peregrinações para Meca; no hinduísmo, os fiéis se submetem ao carma, enquanto aprendem através de uma série de reencarnações a viver corretamente, até submergirem no divino; no budismo busca-se a extinção dos desejos e a conquista da inexistência do Nirvana como fim para inúmeras reencarnações – As Quatro Verdades Nobres de Oito Desdobramentos mostram o caminho para o Nirvana: os caminhos são diversos, porém assemelham-se no sentido de que o homem é o responsável por chegar até Deus; no cristianismo, por sua vez, crê-se que Deus veio até o homem na figura de Cristo e morreu para reaproximá-lo do Criador, de modo que o homem não chega a Deus com base em seu esforço. São pontos de partida e de chegada muito diferentes e divindades e jornadas de naturezas incompatíveis. Há mais diferenças do que semelhanças, no final das contas.

Pode até ser que algumas das semelhanças entre as religiões, considerando alguns dogmas, comportamentos e mitologias, revelem uma memória coletiva, preservada em maior ou menos grau nos mais distantes pontos do mundo, de uma religião primordial**, resultante da revelação divina que associa a moral e a divindade. Mas um começo em unanimidade não pode ser suficiente para sustentarmos que, atualmente, cada fé representa um dos aspectos de uma única divindade, plurirreligiosa. Ou YHWH é o único Deus***, completo, inteiro, ou Prajapati o é. Tentar forjar uma religião artificial em prol da paz mundial é absurdo lógico! Mas o homem não suportará viver tempo demais nesse sistema: o abandono dos gregos, através da filosofia, da sua incoerente religião politeísta, produziu um insuportável relativismo, regado pelos céticos e sofistas, que, no sufoco da crise existencial gerada pela incompreensão de uma verdade absoluta, criou um solo fértil, bastante receptivo para a disseminação do cristianismo, fortemente exclusivista e resiliente na defesa de sua revelação histórica, racional e mística. Sigamos pregando a verdade, sustentando a Razão! Foi assim que os cristãos salvaram a lógica grega dos sofistas e céticos****.

Distanciando ainda mais as religiões dentre si, faço questão de, como conclusão, ressaltar o fundamento essencial do cristianismo: a Ressurreição de Cristo. Nesse ponto, não importa muito que as religiões sustentem ou demonstrem uma moralidade comum, pois essa não é, em hipótese alguma, a essência da fé cristã. Como disse o Apóstolo Paulo: "E, se Cristo não ressuscitou, logo é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé." 1 Coríntios 15:14. Paulo de Tarso deixa claro, em Romanos 2:14, que compreende a existência da Lei Natural, presente tanto entre os judeus, quanto entre os gentios, cristãos ou não, de modo que o cristianismo, sem a vitória de Cristo sobre a morte, se torna apenas um propagador dessa moralidade e, portanto, irrelevante para uma humanidade já suprida de mestres morais. Nós temos na Ressurreição de Cristo a confirmação de Sua divindade e da veracidade da fé cristã, que, além de concordar moralmente com outras crenças, se sustenta, sobretudo, num evento histórico de caráter inquestionável ***** - em oposição aos mitos doutras religiões, perdidos em mundos distantes e eras remotas -, que vem a demonstrar a aprovação do Deus Pai quanto ao que Cristo, o Deus Filho, pregou e fez, especialmente quando afirmou ser Ele o próprio YHWH, a Segunda Pessoa do Deus Trino, tornando inescapáveis as Suas declarações sobre ser Ele o único Deus, o caminho exclusivo para a Salvação - não é apenas sobre viver uma vida moralmente bela, é sobre aceitar a Sua Salvação e a Soberania, declarando crer nas implicações espirituais dos eventos históricos da crucificação, da Ressurreição e da Ascensão. Fora disso, não há salvação. Sem isso, o cristianismo não tem valor. Não, as religiões não são todas iguais!

Natanael Pedro Castoldi

Notas:

* A demonstração da moralidade universal:
- ORIGENS: A MORALIDADE HUMANA, Entre o Malho e a Bigorna, 2014
ORIGENS: O SENTIMENTO DE CULPA, Entre o Malho e a Bigorna, 2014

** A possibilidade do monoteísmo primordial:
- ORIGENS: A RELIGIÃO, Entre o Malho e a Bigorna, 2014

*** O Verdadeiro Deus:
- QUEM É O VERDADEIRO DEUS?, Entre o Malho e a Bigorna, 2015

**** Os cristãos e a defesa da Razão:
- COMO A BÍBLIA SALVOU A RAZÃO, Entre o Malho e a Bigorna, 2014

***** A historicidade da Ressurreição:
- EXISTEM EVIDÊNCIAS DA RESSURREIÇÃO DE CRISTO?, Entre o Malho e a Bigorna, 2013

0 comentários: