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O Cânon do Novo Testamento foi Escolhido no Concílio Niceno?

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Noutro dia, tomando para ler novamente uma antiga edição da Superinteressante, "Os Maiores Mistérios dos Livros Sagrados", Julho, 2008, Editora Abril, deparei-me, na página 37, com as seguintes declarações: "As igrejas maiores e mais influentes tentavam impor seus textos, o que as menores não aceitavam. (...) A peleja continuou até o século 4, quando tudo indicava que o cristianismo apostólico iria prevalecer sobre os outros cristianismos. (...) Foi quando o imperador de Roma, Constantino, entrou em cena e interveio no impasse. (...) Os cristãos deixaram de ser perseguidos em 313 e apenas 12 anos depois seus bispos foram convocados para o Concílio de Nicéia, primeiro passo dado para a criação do Novo Testamento. (...) os evangelhos de Marcos, Lucas, Mateus e João foram escolhidos (...) por uma razão muito simples: expressavam a visão dominante na Igreja. E todos os demais foram considerados apócrifos, falsos e perigosos para o estabelecimento do novo livro."

Não precisamos nos esforçar muito para perceber alguns dos vários erros históricos contidos nessas alegações da Super, mas, ainda assim, há muita gente que acredita nessa história e que tem tal revista como uma fonte de autoridade no assunto, por isso é importante trabalhamos a questão com alguma profundidade. Comecemos com algumas perguntas, que nortearão o estudo que segue:

- Existiam mesmo vários cristianismos no início da Era Cristã?
- Foi no Concílio de Nicéia que se iniciou a criação do Novo Testamento e a seleção do seu cânon?
- O motivo que determinou a escolha dos livros que hoje compõem o Novo Testamento estava em sua afinidade com a visão teológica dos bispos comandados por Constantino?
- O principal motivo para a rejeição de diversos livros foi o seu potencial de atrapalhar os negócios do imperador?

1 - Existiam mesmo vários cristianismos no início da Era Cristã?
Vamos às evidências arqueológicas: o que temos de mais antigo em termos de cristianismo é o cristianismo apostólico. A confecção dos apócrifos, que vieram a sustentar doutrinas heréticas, é posterior à conclusão do Novo Testamento e há uma porção considerável de livros neotestamentários mais antigos do que qualquer manuscrito ou artefato que indique a existência de "outros cristianismos" - na verdade, as mais antigas referências ao principiar de movimentos heréticos estão no próprio Novo Testamento, como o proto-gnosticismo que aparece na Primeira Epístola de João e o cristianismo judaizante que aparece em Atos e nalgumas epístolas paulinas. Mas nenhum deles precede o cristianismo apostólico. Como já é dito há um bom tempo: a Bíblia é a raiz de todas as heresias, e não o contrário.

Vamos aos fatos: 
- Há quatro fragmentos do evangelho de Marcos que datam, no máximo, da década de 50 d.C., contendo os trechos: 4:28, 6:48, 6:52-53 e 12:17. Há também um fragmento de Atos (27:38) datado da década de 60 d.C.; um de Romanos (5:11-12) da década de 70 d.C.; um de 1 Timóteo (3:16; 4:1-3), da década de 70 d.C.; um de 2 Pedro (1:15) da década de 70 d.C.; e um de Tiago (1:23-24), também da década de 70 d.C. Todos esses fragmentos de manuscrito foram encontrados nas cavernas de Qumran, nas proximidades do Mar Morto, obstruídas e abandonadas na década de 70 d.C.
Fonte: Por Que Confiar na Bíblia?, Amy Orr-Ewing, Ultimato, 2008, pg 49.
- Há um manuscrito do Evangelho de João (18:31-33 e 37 e 38), o Papiro John Rylands, datado do ano 125 d.C. Considerando que o Evangelho de João foi escrito em Éfeso e que tal manuscrito foi desvendado no Egito, devemos esperar, pelo menos, uns vinte anos entre a confecção do original e o espalhar de cópias até terras tão distantes, indicando que esse documento pode ter sido redigido partindo do próprio autógrafo de João. Há ainda outros papiros de grande antiguidade: o Papiro Chester Beatty I, contendo 30 folhas (originalmente 220) e abrangendo partes de Mateus, Marcos, Lucas, João e Atos, é datado do início do século III; o Papiro Chester Beatty II, contendo 86 folhas (originalmente 104), abrangendo partes de Romanos, Hebreus, 1 e 2 Coríntios, Efésios, Gálatas, Filipenses, Colossenses e 1 e 2 Tessalonicenses, é datado do final do século II ou início do século III; o Papiro Bodmer II abrange todo o Evangelho de João, especialmente os capítulos 1 a 14, que ocupam 104 folhas, com fragmentos dos capítulos 15 a 21 em outras 46, e é datado do final do século II ou do início do século III.
Fonte: Crítica Textual do Novo Testamento, Wilson Paroschi, Vida Nova, 2008, pgs 44-46.
- Segundo Amy Orr-Ewing, com os manuscritos datados de 180-225 d.C., como o Papiro Chester Beatty e o Papiro Bodmer II, XIV e XV, é possível reconstruir de forma completa os Evangelhos de Lucas e João, os livros de Romanos, 1 e 2 Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, 1 e 2 Tessalonicenses, Hebreus, parte dos Evangelhos de Mateus e Marcos e parte dos livros de Atos e Apocalipse.
Fonte: Por Que Confiar na Bíblia?, Amy Orr-Ewing, Ultimato, 2008, pg 44.
- Temos algo entre 10 e 15 manuscritos neotestamentários que foram escritos nos primeiros cem anos após a conclusão do Novo Testamento, abrangendo grandes trechos dos Evangelhos e das cartas de Paulo. Em dois séculos, o número aumenta para cerca de quarenta ou mais manuscritos. Até antes do ano 400 d.C., temos em mãos 99 manuscritos neotestamentários, incluindo o Novo Testamento completo encontrado no Códice Sinaítico. Há algo entre 20 e 25 mil manuscritos antigos do Novo Testamento e cerca de um milhão de citações do Novo Testamento da parte dos Pais da Igreja - só com elas é possível reconstruir todo o texto neotestamentário.
Fonte: Origem, Confiabilidade e Significado da Bíblia, organizado por Wayne Grudem, C. John Collins e Thomas R. Schreiner, Vida Nova, 2013, Capítulo 12 por Daniel B. Wallace, pg 113.
- O manuscrito antigo mais importante do Novo Testamento é datado de 300 anos após o texto original, mas há dois papiros importantes que estão 100 anos perto do autógrafo. Segundo John Blanchard, o Papiro John Rylands pode ser datado entre 117 e 138 d.C. Além disso, há três fragmentos de papiro guardados em Oxford que foram datados como sendo do terceiro quarto do primeiro século.
Fonte: Por que Acreditar na Bíblia?, John Blanchard, Fiel, 2006, pg 9.
- A epístola de Clemente aos coríntios (95 d.C.) cita os Evangelhos, Atos, Romanos, 1 Coríntios, Efésios, Tito, Hebreus e 1 Pedro; as cartas de Inácio (115 d.C.) citam Mateus, João, Romanos, 1 e 2 Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses, 1 e 2 Timóteo e Tito.
Fonte: Por Que Confiar na Bíblia?, Amy Orr-Ewing, Ultimato, 2008, pg 45.
- As epístolas de Clemente, Inácio e Policarpo, datadas de 95 a 110 (ou 115) d.C., citam 25 dos 27 livros do Novo Testamento. Somente Judas e 2 João não foram citados, mas já haviam sido escritas, pois Judas era familiar de Jesus e 3 João foi escrita depois de 2 João.
Fonte: Não Tenho Fé Suficiente Para Ser Ateus, Norman Geisler e Frank Turek, Vida, 2012, pg 241.
- Existem cerca de 75 fragmentos de papiro datados desde 135 d.C. até o século VIII, contendo partes de 25 dos 27 livros do novo Testamento, totalizando 40% do texto.
Fonte: A Bíblia de Estudo Anotada Expandida, Mundo Cristão, 2007, pg 1302.

Somente com as epístolas paulinas, escritas até pouco depois da segunda metade da década de 60 d.C., é possível fundamentar toda a teologia cristã ortodoxa, incluindo a divindade de Cristo e a existência da Trindade. As interpretações heréticas vieram desses textos originais. Leia mais sobre o assunto: A Magnífica História da Vida e da Obra de PauloOs Mais Antigos Testemunhos do Novo TestamentoAs Fontes Documentais do Novo Testamento.

A datação dos apócrifos:
- O Evangelho de Maria Madalena: século II d.C..
- O Evangelho de Pedro: século II d.C.
- O Evangelho dos egípcios: segunda metade do século II d.C.
- O Evangelho de Filipe: a partir de 120 d.C.
- O Evangelho de Bartolomeu: entre os séculos II e III d.C.
- O Evangelho de Tomé, o Dídimo: século III d.C.
Fonte: Bíblia Apologética com Apócrifos, ICP, 2014, pgs 860-862.

Com base nas evidências até aqui levantadas, podemos constatar que os documentos canônicos do Novo Testamento, em sua grande maioria, encontram respaldo arqueológico para sua proeminência por sobre os apócrifos, indicando constituírem a primeira percepção completa do cristianismo. É claro que interpretações errôneas de alguns aspectos da fé cristã podem ter surgido ainda no período apostólico, mas não podemos dizer que já existiam "diferentes cristianismos" nesse período, cosmovisões cristãs singulares e coesas para além da principal. Além disso, tais interpretações se limitavam a indivíduos e pequenos grupos, geralmente se isolando em comunidades específicas, o que destoa totalmente da visão genuína da fé cristã, extraída diretamente das obras apostólicas, que era crida pela grande maioria dos cristãos de todas as regiões onde havia presença cristã. E isso não foi imposição dos apóstolos, de forma alguma: a Igreja, no início da Era Cristã, não tinha força política, econômica e numérica para impor qualquer coisa, tanto que, num primeiro momento, não conseguiu impedir que grupos minoritários disseminassem heresias. Se havia a proeminência de uma visão cristã, a mais antiga, é porque a maioria dos cristãos concordava livre e sinceramente com a autoridade e o testemunho dos apóstolos e porque muitos dos primeiros missionários cristãos foram testemunhas oculares do ministério de Cristo, sabendo com clareza aquilo que Jesus realmente disse e quem Ele foi.

Repare que os fragmentos mais antigos que temos, de Marcos, João, Atos, Romanos e doutras epístolas de Paulo, de Pedro e de Tiago, além de outros autores neotestamentários, sustentam basicamente todo o Novo Testamento: em Marcos é possível encontrar o essencial sobre Cristo, incluindo alusões à Sua divindade, assim como nas obras de Paulo, que concentram o fundamental da teologia cristã. Mas é no texto de João que encontramos aquilo que de mais profundo há em termos de cristologia, com indicações diretas da eternidade e da divindade de Cristo. Também é interessante notar que há uma comunicação entre os autores de alguns desses documentos, como ocorre quando Pedro considera os escritos paulinos como "escritura", ou seja, como "divinamente inspirados" (2 Pedro 3:16). Além disso, há evidências claríssimas de que Mateus e Lucas utilizaram Marcos como base para a confecção de seus evangelhos, o que evidencia uma concordância de testemunho entre os evangelistas mais antigos, destoando daquilo que aparece nos apócrifos, posteriores e mais míticos. Há uma inquestionável unanimidade de pensamento entre - e exclusivamente - os documentos neotestamentários tidos como canônicos.

Ao ler o artigo "Uma Análise das Evidências Extra-Bíblicas sobre Jesus", perceba como os testemunhos pagãos e judaicos acerca de Cristo geralmente apontam para aspectos da visão ortodoxa acerca de Cristo, como, por exemplo, a Sua vinda em carne e a Sua morte na Cruz, a Sua ressurreição dos mortos, a Sua sabedoria, o fato de realizar sinais e milagres e o fato de Seus discípulos o considerarem salvador e Deus. Esses antiquíssimos testemunhos nos ajudam a interceptar a visão mais antiga e disseminada de cristianismo no início da Era Cristã, de modo a ser a mais bem, ou talvez a única, conhecida pelos não cristãos. Esses relatos não concordam com as perspectivas heréticas que ganharam força do século II em diante.

2 - Foi no Concílio de Nicéia que se iniciou a criação do Novo Testamento e a seleção do seu cânon?
Depois de trabalhado o assunto do tópico anterior, a resposta para essa pergunta é óbvia. É claro que o Novo Testamento já estava devidamente estabelecido e consolidado antes do Concílio Niceno, havendo evidente e especial interesse da parte dos cristãos para com os livros considerados canônicos. É interessante perceber que NÃO FOI no Concílio Niceno que a configuração atual do cânon neotestamentário começou a ser cogitada, segundo os interesses de Constantino - esse era um debate de séculos, dos tempos nos quais a Igreja não tinha poder político e numérico para impor qualquer coisa tanto a hereges quanto a pagãos.

A verdade é que não foi nem no Concílio Niceno que os 27 livros do cânon Novo Testamento foram oficializados, mas no Concílio de Cartago, em 397 d.C., sem a tutela de Constantino. Só que isso não significa que já não havia uma discussão anterior sobre o assunto. A diferença é que nos primeiros concílios a Igreja não estava mais sendo perseguida, podendo reunir-se com tempo e em grupos numerosos de discussão, além disso, nesses concílios o que se fez foi apenas oficializar o conjunto dos livros neotestamentários, não significando que esses livros não tenham sido reconhecidos como canônicos separadamente antes desses grandes encontros (2 Pe 3:16; 1 Tm 5:18). O fato é que a maioria dos livros do Novo Testamento foi aceita como canônica no século posterior ao dos apóstolos - houve alguma controvérsia quanto aos livros Hebreus, Tiago, 2 Pedro, 2 e 3 João e Judas. A seleção do cânon foi um processo que continuou por séculos até que cada livro provasse seu valor, concordando com os critérios de autenticidade, que são:

- Se o livro foi escrito ou influenciado por algum apóstolo.
- Se o livro desse uma prova intrínseca de seu caráter peculiar, inspirado e aprovado por Deus. O material deveria apresentar algo diferente de qualquer outro livro ao transmitir a revelação de Deus.
- O consenso entre as igrejas. O livro deveria ser reconhecido e utilizado pela grande maioria das igrejas cristãs - e, de fato, houve grande consenso entre as primeiras igrejas sobre quais livros mereciam um lugar no cânon. Nenhum livro cuja autenticidade foi questionada por um número expressivo de igrejas entrou no cânon.
Fonte: A Bíblia de Estudo Anotada Expandida, Mundo Cristão, 2007, pg 1301.

Um resumo do debate sobre o cânon neotestamentário:
Não há uma forma simples de explicar a formação do cânon neotestamentário. Mesmo que as heresias tenham levado os cristãos a selecionar os livros canônicos, elas não foram a única força motivadora. Mediante a perseguição, os cristãos tinham a necessidade de saber por quais livros estariam morrendo, quais deveriam ser postos à disposição das autoridades imperiais e, além disso, era da maior importância definir com clareza quais documentos poderiam ser usados nas igrejas e para a edificação pessoal - esse desejo se intensificou quando os apóstolos começaram a morrer.
Fonte: Merece Confiança o Novo Testamento?, F. F. Bruce, Vida Nova, 2010, pg 36.

É fato que foram os líderes cristãos que oficializaram o cânon, mas não foram eles os maiores responsáveis pela resolução da questão. O que eles fizeram foi apenas oficializar uma decisão que a Igreja já havia tomado de forma gradual. Esse processo de escolha começou com a leitura de litúrgica de textos de pessoas próximas a Jesus - os apóstolos e os discípulos dos apóstolos -, ao lado da proclamação das Escrituras judaicas. Os escritos mais respeitados, que se alinhavam aos ensinamentos mais tradicionais da Igreja e que eram mais úteis para a igreja local, acabaram sendo os mais lidos - ou seja, as tradições herdadas ajudaram a selecionar os textos, não tendo sido os textos os responsáveis pelas primeiras tradições.

No início do terceiro século, Orígenes fez uma pesquisa entre as igrejas cristãs para saber quais livros elas estavam usando. Como resultado de seu trabalho, Orígenes formulou uma lista com três grupos de livros: os livros aceitos, os questionados e os não confiáveis. Os amplamente aceitos eram: os quatro Evangelhos, as 13 Cartas de Paulo, Atos, 1 Pedro, 1 João e Apocalipse; os questionados eram outros seis livros que completam o NT: Hebreus, Tiago, 2 Pedro, 2 e 3 João e Judas; aqueles que a maioria das igrejas tinha como não confiáveis eram: o Evangelho de Tomé, o Evangelho dos Egípcios e o Evangelho de Matias.
Fonte: A Bíblia e Sua História, Stephen M. Miller e Robert V. Huber, SBB, 2006, pg 94.

Segundo F. F. Bruce, "os livros do Novo Testamento não se tornaram escritos revestidos de autoridade para a Igreja porque foram formalmente incluídos em uma lista canônica; pelo contrário, a Igreja incluiu-os no cânon porque já os considerava divinamente inspirados, reconhecendo neles o valor inato e, em geral, a autoridade apostólica, direta ou indireta." Sobre os primeiros concílios canônicos, que se realizaram no Norte da África, em Hipona Régia (393 d.C.) e em Cartago (397 d.C.), Bruce afirma que eles "não objetivavam impor algo novo às comunidades cristãs, pelo contrário, o intuito era sistematizar o que já era uma prática comum."
Fonte: Merece Confiança o Novo Testamento?, F. F. Bruce, Vida Nova, 2010, pg 36.

- Clemente de Roma, 96 d.C.: demonstra conhecer Mateus, Romanos, 1 Coríntios e Hebreus.
- Inácio, de Antioquia (116 d.C.), Policarpo, de Esmirna (69-155 d.C.), e Papias, de Hierápolis (80-155 d.C.), atestaram Mateus, João, as epístolas paulinas, 1 Pedro, 1 João e Atos.
- O Didaquê, 120 d.C.: destaca Mateus e conhece a maioria dos livros do NT.
- Justino Mártir, 100-165 d.C.: atestou Apocalipse, Hebreus e Marcos.
- Marcião, 140 d.C.: o heresiarca em questão reconheceu Lucas e dez epístolas de Paulo.
- Hermas, 150 d.C.: autentica Mateus, Efésios, Apocalipse e, aparentemente, Hebreus e Tiago.
- Teófilo de Antioquia, 115-188 d.C.: adotou a maior parte dos livros do NT.
- Clemente de Alexandria, 155-215 d.C.: aceitou todos os livros do NT.
- Melito, de Sardes, 170 d.C.: citou trechos de todos os livros do NT, exceto Tiago, Judas e 2 e 3 João.
- Vulgata Latina, antes de 170 d.C.: atesta todos os livros do NT, menos Tiago e 2 Pedro. Hebreus foi acrescentada antes dos tempos de Tertuliano.
- O Fragmento Muratoriano, 172 d.C.: autentica os quatro Evangelhos, Atos, nove epístolas de Paulo às igrejas e quatro pessoais, as cartas de Judas, 1 e 2 Pedro e 1 e 2 João e Apocalipse. Acrescenta o Pastor de Hermas, mas observa que, embora seja um livro digno de ser lido nas igrejas, não possui a mesma autoridade que os canônicos.
- Irineu, 140-203 d.C.: o discípulo de Policarpo, que fora discípulo de João, reconheceu os quatro Evangelhos, Atos, Romanos, 1 e 2 Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, 1 e 2 Tessalonicenses, 1 e 2 Timóteo, Tito, 1 Pedro, 1 João e Apocalipse.
- Tertuliano, 150-222 d.C.: atesta os quatro Evangelhos, treze epístolas paulinas, Atos, 1 Pedro, 1 João, Judas e Apocalipse. Rejeitou Hebreus por acreditar que o autor era Barnabé.
- Orígenes de Alexandria, 185-253 d.C.: aceitou, inclusive, os livros que eram mais contestados, como Hebreus, 2 Pedro, 2 e 3 João, Tiago, Judas e Apocalipse.
- Cipriano, 200-258 d.C.: não atestou Hebreus e não citou Filemom, Tiago, 2 e 3 João e Judas.
- Dionísio de Alexandria, 200-265 d.C.: autenticou Hebreus e reconheceu Apocalipse, Tiago e 2 e 3 João.
- Papiros de Chester Beatty, século III: autenticam os quatro evangelhos, Atos, as epístolas paulinas, Hebreus e Apocalipse.
- Atanásio de Alexandria, 298-373 d.C.: considerou canônicos os 27 livros que hoje compõem o NT.
- Basílio da Capadócia, 329-378 d.C., e Gregório de Nazianzo, 330-390 d.C., reconhecerem todos os livros do NT, menos Apocalipse, mesmo tendo-o citado como obra de João.
- Jerônimo, 340-420 d.C.: atestou todos os livros do NT.
- João Crisóstomo, 347-407 d.C.: aceitou todos os livros do NT, menos 2 Pedro, 2 e 3 João e Apocalipse.
- Teodoro de Mopsuéstia, 350-428 d.C.: rejeitou as epístolas universais e Apocalipse, seguindo o Cânon de Constantinopla.
- Agostinho, 354-430 d.C.: aceitou todos os livros, inclusive os 7 que eram questionados.
- A Peshita, 411-435 d.C.: também seguiu o Cânon de Constantinopla.
- Os Concílios: a delimitação do cânon do NT não foi obra dos concílios, mas do valor intrínseco de cada livro. O Terceiro Concílio de Cartago, 397 d.C.: a primeira decisão oficial sobre o cânon, determinando que só os livros canônicos poderiam ser lidos nas igrejas - atestou os 27 do NT atual. O Concílio de Hipona (420 d.C.), confirmou o de Cartago. A seleção do cânon foi, portanto, um processo espontâneo que se desenrolou na Igreja ao longo dos séculos, até que cada livro fosse autenticado.

"O cânon do NT formou-se espontaneamente, e não pela ação dos concílios da igreja. A inspiração e a autoridade intrínseca foram os fatores determinantes em seu reconhecimento e efetiva canonização. Em 200 d.C., o NT já continha essencialmente os mesmos livros que temos hoje. (...) Antes do final do século III, praticamente todos os livros extracanônicos já haviam sido expurgados das listas autorizadas. (...) Durante o século IV, praticamente cessou no Ocidente o debate sobre as questões do status canônico de determinados livros, isso graças à influência de Jerônimo e de Agostinho."
Fonte: Manual Bíblico Unger, Merril Frederick Unger, Vida Nova, 2006, pgs 709-714.

3 - O motivo que determinou a escolha dos livros que hoje compõem o Novo Testamento estava em sua afinidade com a visão teológica dos bispos comandados por Constantino?
Como vimos, as motivações que levantaram o debate sobre os livros que deveriam ser incluídos no cânon foram a necessidade de saber quais documentos poderiam ser usados nas igrejas, qual material deveria ser apresentado às autoridades romanas, por quais livros os cristãos estavam morrendo e para combater as heresias, que vieram depois do cristianismo ortodoxo. A escolha desses livros precedeu o tempo de Constantino e foi concluída depois de sua morte. Os critérios de escolha não eram essencialmente as afinidades teológicas do material com o interesse dos bispos, pois muitos livros teologicamente viáveis, como o Pastor de Hermas, 1 e 2 Clemente, o Didaquê e a Epístola de Barnabé, e alguns politicamente interessantes, como Atos de Pilatos, que poderia angariar mais aceitação dos romanos, foram excluídos do cânon simplesmente por não concordarem com os critérios de autenticidade anteriormente trabalhados. A questão não era estritamente ideológica, mas centrava-se também em coerência histórica.

4 - O principal motivo para a rejeição de diversos livros foi o seu potencial de atrapalhar os negócios do imperador?
Conforme vimos, os livros que ficaram de fora do cânon passaram por um criterioso filtro e diversas obras com grande potencial de edificação, que concordavam com a teologia ortodoxa, também foram excluídas. Isso já é suficiente para evidenciar que os livros descartados do cânon não eram somente os "inconvenientes". A verdade é que, por ocasião do uso dos critérios de autenticação, até livros considerados inconvenientes por muitos séculos foram inclusos, como Hebreus e Tiago. A questão, portanto, não está em conveniência ou inconveniência, mas no resultado das observações, muitas delas imparciais, que cristãos de vários séculos fizeram acerca do material neotestamentário.

A verdade é que os livros excluídos por seu conteúdo eram tardios demais, não tinham autoria apostólica ou associação com algum apóstolo, não apresentavam coerência com os livros já considerados, não traziam aspectos teológicos significativos, nunca foram aceitos por uma parte significativa da Igreja e se mostravam como nada mais do que leituras piedosas e, muitas vezes, fictícias, cuja inautenticidade era facilmente reconhecida pela leitura do material e pela comparação com os livros mais prestigiados. Além disso, havia uma tradição muito mais forte, com muito mais evidências documentais, para os 27 livros que hoje compõem o NT.

O testemunho de Eusébio de Cesaréia, 263-340 d.C.:
"(...) entre os primeiros, deve ser colocada a santa tétrade dos Evangelhos; esses são seguidos pelo Livro de Atos dos Apóstolos; depois deste deve-se mencionar as epístolas de Paulo, as quais são seguidas pelas reconhecidas primeira Epístola de João, bem como a primeira de Pedro, a ser de igual modo aceita. Após esses, devem ser colocados (...) o Apocalipse de João (...). Esses, portanto, são reconhecidos como genuínos. Entre os livros questionados, (...) ainda que sejam aproveitados por muitos, são reputados aquele chamado Epístola de Tiago e de Judas. Também a Segunda Epístola de Pedro e os chamados a Segunda e a Terceira de João (...). Entre os espúrios devem ser alistados ambos os livros chamados Atos de Paulo e aquele chamado Pastor e o Apocalipse de Pedro. Além desses, os livros chamados a Epístola de Barnabé e as chamadas Instituições dos Apóstolos.
(...)
Assim, teremos condições de conhecer esses livros e os citados pelos hereges sob o nome dos apóstolos (...) o caráter e o estilo em si [dos apócrifos] é muito diferente do dos apóstolos, e os sentimentos, e o propósito dessas coisas que são neles apresentadas, desviando-se ao máximo da ortodoxia sadia, provam evidentemente seres ficções de homens heréticos".
Fonte: História Eclesiástica, Eusébio de Cesaréia, CPAD, 2000, pgs 103-104 (Livro 3, capítulo XXV).

Conclusão: tornou-se óbvio que o debate sobre o cânon do Novo Testamento existiu desde as primeiras décadas da Era Cristã e que não foi o Concílio de Nicéia que oficializou o cânon neotestamentário - foram outros, como o de Cartago. Na verdade, os próprios cristãos, natural e universalmente, é que reconheceram os 27 livros que constituem o NT atual, que os concílios apenas promulgaram. Vale notar que as maiores influências para a diminuição dos debates acerca dos documentos neotestamentários foram autoridades cristãs, como Jerônimo e Agostinho, e não imperadores como Constantino ou, mesmo, os concílios.

Não esqueça que livros que teriam sido muito úteis para a Igreja foram retirados do cânon, como o Pastor de Hermas, e que livros com potencial de gerar complicações foram incluídos, como Hebreus e Tiago.

A Superinteressante, definitivamente, foi infeliz em suas declarações.

Natanael Pedro Castoldi

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