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A Dinâmica do Amor Cristão

 
A ideia de "amor cristão" foi, ao longo do tempo, por demais romanceada e, de tão elevada, chegou a desprender-se da realidade humana: considerada extremamente difícil de se atingir, isso num mundo de onde ainda impera o "8 ou 80", ela foi rotulada como uma espécie de utopia, um ideal teórico no qual o cristão deve ser inspirar, não necessariamente viver. A maioria dos cristãos acha conveniente falar do "amor cristão", mas a diferença entre o número dos que falam sobre isso e dos que se esforçam em praticá-lo é ínfima - falar do "amor" é como vestir-se com as roupas mais finas para uma festa: atrás das roupas continua habitando aquele corpo feito de carne, aquele corpo com cicatrizes, pelos, feridas e desejos pecaminosos que, na maioria das vezes, foram supridos alguns dias ou horas antes de ser tapado pela ilusória vestimenta que, no caso, é de uso exclusivo para o encontro dos cristãos no seu clube chamado "Templo" - eles se revestem de um discurso que não praticam, que lhes acrescenta status e confiabilidade, mas não anula a existência daquela carne podre que se agarra à sua alma, tentando puxá-la para o Abismo. Como pode a ideia mais bela de todos os tempos, que brota da própria eternidade de Deus, ter sido tão terrivelmente pervertida? Existem maneiras de dinamitar essa triste realidade e, por fim, viver o ideal do amor, que é prático? Se esse também é o seu dilema, continue lendo esse artigo.

Permita-lhe perguntar uma coisa: você aprova ou reprova o o roubo? Ou melhor: pense num cenário de calamidade, repleto de pessoas morrendo de fome: tal situação é digna de aprovação ou de reprovação? E o encontro de família da Ceia de Natal? Existem duas reações mentais que são instantaneamente reconhecidas diante de qualquer tipo de coisa ou ocorrência: ou você aprova ou você reprova - pode ser que, em raras ocasiões, o sentimento seja de desinteresse, mas me é difícil dissociar desinteresse de desprezo e, portanto, reprovação. Tanto "reprovar" quando "aprovar" são, por definição, ações passivas, que se desenvolvem essencialmente na mente, no campo das ideias, encontrando raízes em nossos interesses, desejos e históricos de vida: "aprovar" ou "reprovar" nada mais é do que rotular de "bom" ou de "ruim" aquilo que se observa, que se sabe, o que não exige nenhum envolvimento com o objeto de análise: se você aprova, está afirmando que aquilo está bom e que, portanto, não precisa de mudança; se você reprova, normalmente irá se afastar daquilo para não se incomodar. Exemplifiquemos:

Pense num bairro de má fama da sua ou doutra cidade, aquele tipo de lugar de onde o crime se espalha para a cidade inteira, onde a imoralidade impera. Se você aprovar aquele lugar, ele não deixará de ser ruim; se você reprová-lo, seus moradores dificilmente irão se sentir ofendidos e largar seus costumes. Aprovar ou reprovar são discernimentos intelectuais que, por si mesmos, não mudam realidades. Para que as coisas mudem, deve-se sair do campo da mera aprovação ou reprovação, e é aqui que deve-se tomar cuidado: aprovar ou reprovar é seguro, fácil, e ninguém precisa ficar sabendo da sua opinião, mas aquele que busca mudanças precisa se mostrar e, portanto, corre riscos. Há duas reações ativas possíveis para que uma realidade reprovável se altere: eu posso, através de discursos e ações de ódio, militar pela destruição completa daquele lugar que detesto, procurando meios de reorganizá-lo após sua implosão e de chamar gente nova que, aos meus olhos, construiria uma comunidade mais agradável - nesse caso, eu não estou modificando o lugar e o povo, eu estou os substituindo, ou seja: cortei toda a forma de comunicação com a realidade anterior através da aniquilação para criar uma nova. Nisto reside a incoerência, pois o discurso de ódio apenas vê "uma das faces da moeda", que é justamente aquela que dá argumentos ao conveniente militante. 

A outra reação ativa possível, que é a mais coerente de todas, é o amor, o amor nos moldes cristãos: quando eu sei que eu devo amar, vou procurar conhecer melhor o meu objeto de amor, isso criando vínculos com a sugerida comunidade e o seu povo. Amando, eu não irei ignorar os pontos negativos daquele lugar, mas saberei encontrar seus pontos positivos, seu potencial: não serei apenas um malicioso pessimista, que ignora o que há de bom, e, tampouco, um ingênuo otimista, que não percebe, ou evita, as características malévolas daquilo que analisa. Amando, e amar exige atividade, eu lutarei para transformar meu objeto de amor, não substituí-lo: enaltecerei o que há de bom e o usarei como força para subjugar o que não é tão bom assim.

G. K. Chesterton, no livro Ortodoxia, Mundo Cristão, 2008, foi quem me inspirou nessas reflexões - irei citá-lo para melhor ilustrar os conceitos, pgs 111-112:

"Suponhamos que temos diante de nós um caso desesperador - Pimlico [uma área de Londres], por exemplo. Se pensarmos no que é realmente melhor para Pimlico, vamos descobrir que o fio do pensamento nos leva ao trono, ou ao mítico, ou ao arbitrário. Não basta alguém desaprovar Pimlico: nesse caso esse alguém simplesmente cortará a garganta ou se mudará para Chelsea. Certamente não basta alguém aprovar Pimlico: pois nesse caso Pimlico continua sendo Pimlico, o que seria horrível.

Ao que parece, a única saída é alguém amar Pimlico: amá-la com um laço transcendente e sem uma razão terrena. Se surgisse alguém capaz de amar Pimlico, então Pimlico se ergueria com torres de marfim e pináculos dourados; Pimlico se enfeitaria como faz a mulher amada. Pois a decoração não se destina a esconder coisas horríveis; mas a enfeitar coisas já adoráveis. A mão não dá a seu filho uma gravata borboleta azul porque, sem ela, ele é muito feio. Um amante não dá um colar a sua garota para esconder-lhe o pescoço. Se os homens amassem Pimlico como as mães amam os filhos, arbitrariamente, por ser delas, Pimlico num ou dois anos poderia ser mais bela que Florença".

A excelente reflexão de Chesterton nos dá base para pensar no amor de Deus: para Ele, teria sido mais fácil concordar com os deístas e, assim que o homem caiu, ter se afastado e abandonado o Universo no vazio, para se virar sozinho e desintegrar-se até ser comprimido e se perder no Nada. Talvez mais fácil do que isso, teria sido Ele mesmo, de modo ativo, desfazer toda a matéria, levando tudo de volta para o Vazio. Mas Deus escolheu amar e, amando, decidiu restaurar o Cosmos, o homem. Esse verdadeiro amor do Eterno é extremamente bem expressado na Bíblia: o Antigo Testamento nos mostra como o Criador, amando a Humanidade, viveu um intenso conflito entre reconhecer a podridão humana e ver o seu potencial, rumando para a reestruturação do Projeto Original. O amor é assim, maduro, como já dito: não trata-se da malícia do pessimismo, que se baseia apenas no que há de ruim, e, tampouco, fundamenta-se na ingenuidade do otimismo, que ignora a maldade. Noutras palavras, quando o pessimista descobre que tem câncer, ele acaba morrendo de depressão, enquanto o otimista, tentando não "ver o lado ruim", foge do tratamento e morre repleto de tumores - o melhor é amar-se e, amando-se, reconhecer seu mal e enfrentá-lo, mas sem permitir-se sugar por eles, abrindo espaço para aquilo que de bom ainda se pode extrair da vida.

O Amor é um misto de ódio e de deleite, o Amor é conflito: será que ama de verdade o "amigo" que, procurando apenas o que há de bom no próximo, ignora totalmente os seus comportamentos vis e destrutivos? Existe alguma possibilidade de ter algum amigo quando só se observa, com olhar extremamente crítico, o que há de ruim nos outros? O verdadeiro Amor depende de decisão, esforço e coerência, superando razão e sentimentos: ele sabe extrair o que há de bom no próximo, mas jamais ignora o que há de ruim e, quando observa o lado ruim, não o faz com o intuito de julgar e fazer-se maior, mas, sim, de simplesmente ajudar. Por isso existe o conflito e é somente através do conflito que as coisas mudam: se eu não enfrentar o que há de ruim naquele bairro malévolo da minha cidade, jamais irei cooperar com a sua transformação. Agora, se eu reconhecer o "câncer" que reside nele, irei atrás de recursos para levar saúde, educação e lazer de qualidade para aquele povo - se, por acaso, eu apenas odiá-los, antes de levar livros, levarei bombas.

Vamos para outro exemplo: pense numa prostituta. Diante dela você pode ter as duas reações já citadas, a de aprovação ou a de reprovação. Se você aprová-la, não dará atenção aos seus conflitos existenciais, aos dilemas que a levaram a optar por uma vida tão difícil, que pode, inclusive, destruí-la; se você somente reprová-la, a estará tratando como a grande maioria das pessoas: apenas como um objeto a ser ignorado. Nada disso será benéfico para ela. Agora, você pode abrir mão da ingenuidade, conveniência e/ou malícia e observá-la com amor: apesar de tudo o que ela faz, trazendo prejuízo inclusive para si mesma, aquela prostituta é um ser humano digno de amor, é um indivíduo que tem potencial para muito mais e que somente precisa ser amado. Amando-a, você não irá ignorar os problemas que envolvem aquela vida e, ao mesmo tempo, verá o que de bom habita ali, estabelecendo o compromisso de ajudá-la a enfrentar seus males e, constatando suas qualidades, a construir um novo caminho. Jesus fez exatamente isso com duas mulheres de vida devassa: diante da mulher samaritana, Ele não ignorou os seus pecados, mas percebeu a sua sinceridade e, amando-a, promoveu uma profunda mudança na sua vida; diante da adúltera que seria apedrejada, Cristo soube confortá-la, resgatando-a, mas não deixou de exortá-la para abandonar sua vida devassa. A verdade é que Deus enviou Seu Filho ao mundo, não por aprovar ou somente reprovar a Humanidade, mas por AMAR o ser humano - João 3:16.

Tomando como base aquilo que fora trabalhado até aqui, verifiquemos a igreja brasileira: temos diante de nós uma instituição que, em grande parte, preocupa-se simplesmente em aprovar a si mesma e em reprovar todo o resto da sociedade, desferindo juízos de valor. Trata-se de um falso moralismo, de um moralismo puramente teórico. Será que a igreja de nosso país, mais preocupada em "apontar o dedo" e rotular, aprendeu a amar? Se houvesse mais amor, os problemas da sociedade brasileira seriam todos devidamente evidenciados, mas, tendo seus aspectos positivos igualmente salientados, essa sociedade se sentiria mais amada pela Igreja - se a Igreja, amando, se envolvesse mais na transformação dessa sociedade, certamente a sua fama seria melhor. Se a igreja brasileira se amasse de fato, seria menos otimista consigo mesma e saberia ver aquilo que de ruim nutre em suas congregações, para enfrentá-lo com enérgico entusiasmo.

Migremos para a esfera do indivíduo. Esse princípio do amor cristão encontra pontos de contato em todos os níveis que constituem a sociedade. Pense em você: tem sido apenas otimista consigo mesmo, procurando se fortalecer através da infantil literatura de autoajuda? Ou tem sido somente pessimista, pendendo para o Abismo? Ame-se, somente: ame-se e saiba reconhecer o que há de ruim, para enfrentá-lo, e o que há de bom, para se deleitar. Faça o mesmo exercício tendo em vista todos os seus círculos sociais: família, amizades, trabalho, ambiente acadêmico, igreja, sociedade... Essa é a receita para a mais saudável espécie de transformação e deve ser aplicada pelo indivíduo em sua intimidade até pelo indivíduo com relação ao seu país - com relação ao país, esse amor pode ser descrito como patriotismo: o verdadeiro patriota, pelo bem da nação, é capaz de se envolver tanto na guerra civil, visando enfrentar problemas internos, quanto na guerra mundial, visando preservar o seu povo da tirania externa.

Conclusão: veja como o conceito de "amor cristão" é mais simples do que parece: você não precisa ser perfeito para entendê-lo e tentar praticá-lo, basta ver a si mesmo e ao mundo com coerência e sinceridade, sem pender para nenhum extremo de inútil pessimismo ou otimismo, ou de mera aprovação ou reprovação - amar é basicamente não fugir do que há de ruim e visar o que há de bom no objeto a ser amado para, assim, ativamente se envolver em sua transformação. Amar não é só sentir! Amar, nesses moldes, é decisão, coerência, vontade! Amar também não é ser "cego" e romântico com a realidade, maquiando-a, pelo contrário: é vê-la em toda a sua extensão, sem a lupa do pessimismo ou do otimismo. Para exercitar o "amor cristão", portanto, não há desculpa: veja as coisas como elas são e se envolva com elas, para que se transformem - e isso inclui você mesmo.

Natanael Pedro Castoldi

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