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Uma Análise dos Apócrifos, Parte 2: Os Pseudepígrafos

Uma boa introdução para a questão da origem e definição do termo "apócrifo" pode ser encontrada na leitura da Parte 1 desse trabalho, publicada no dia 26 de novembro de 2013 e dedicada aos livros deuterocanônicos. Falar sobre os pseudepígrafos será, sem dúvida, um trabalho muito mais fácil do que falar sobre os deuterocanônicos, uma vez que na primeira discussão temos amplo debate histórico e teológico, enquanto na segunda apenas devemos lidar com uma maioria de leigos chatos que querem destruir o cristianismo sem nunca terem lido e entendido a Bíblia. Mas eu não escrevo para esse público, assim como não escrevo para nenhum tipo de fanático, cristão ou não - escrevo exclusivamente para a leitura dos seguidores de Cristo que desejam fortalecer sua fé e argumentar diante do impasse com os críticos das Escrituras, e para aqueles que, mesmo sem considerar a existência de Deus, nutrem um sincero interesse pelo conhecimento bíblico. Espero que a leitura seja esclarecedora - tire as suas próprias conclusões.

- O mau uso dos apócrifos:
Os apócrifos em questão são comumente usados para fortalecer posicionamentos individuais dos inimigos do cristianismo. Esses indivíduos, sem considerar os infindáveis estudos sobre as dezenas de livros que constituem o cânon oficial das Escrituras e a própria leitura desse material fartamente analisado, encontram num blog sensacionalista ou nas publicações de uma emotiva militância apontamentos doutrinários de livros escritos no início da era cristã que contestam a divindade de Cristo, o pecado de Judas, a validade da crucificação e muitas outras questões, e acham que "descobriram a América" - tais opositores da fé nem ao menos compreenderam o que a teologia cristã tem a dizer sobre esses assuntos e já partem para o entendimento de alguns documentos antigos que não foram bem aceitos nem desde a sua divulgação. E, assim, questões que poderiam facilmente ser resolvidas com a leitura de algo de Norman Geisler, Wayne Grudem, F. F. Bruce, Merril C. Tenney e outros especialistas em responder contradições, heresias e apontamentos históricos com base num imensurável conhecimento da Palavra desde as suas mais profundas raízes linguísticas e exegéticas, se perpetuam nos ambientes obscuros da militância anticristã, que ignora os fatos ao formular a sua própria espécie de Index, no qual constam os títulos de livros que nenhum inimigo da fé pode ler. Vou tentar unir o conhecimento que possuo em minhas fontes com a agilidade de um texto prático e o mais breve possível, entendo que o leitor será suficientemente capaz de procurar outras informações por conta própria e nos lugares certos.

Observação: estou consciente, segundo O Novo Dicionário da Bíblia, Vida Nova, 2012, de que no meio acadêmico o termo "apócrifo" se refere apenas aos livros deuterocanônicos do Antigo Testamento e a alguns antigos escritos cristãos não inspirados, porém dignos. Também estou consciente de que o termo "pseudepígrafo" refere-se primeiramente aos escritos judaicos palestinos e helênicos produzidos no Período Intertestamentário e no início da Era Cristã. Estou consciente disso, mas meu trabalho não é acadêmico, portanto seguirei as definições conforme o uso e a mídia  trataram de consolidar, considerando como "apócrifos" os pseudepígrafos e tendo como "pseudepígrafos" os livros escritos por cristãos que detém a característica de "pseudonimidade", ou seja: cuja autoria é atribuída erroneamente a pessoas influentes.

- As alegações dos inimigos da fé sobre os apócrifos:
Há uns dias perdi doze minutos assistindo um vídeo desprovido que fundamentos que apenas afirmava que "meia-dúzia de caras, um dia, decidiram o que você podia ler e o que você não podia ler" e que esses caras esconderam os livros que apresentavam conteúdos desagradáveis, já que o termo "apócrifo" significa "aquilo que precisa ficar escondido". Pra começar, o termo apócrifo não foi dado aos livros de caráter duvidoso que os cristãos "esconderam", não! Essa palavra foi herdada dos escritos de Jerônimo quando este distinguia os livros deuterocanônicos daqueles do cânon hebraico em sua tradução para a Bíblia latina, na qual designou como "apócrifo" todo o livro estimado pelos cristãos, mas inexistente no cânon oficial da Bíblia judaica - Jerônimo parece ter tido noção disso ao estudar Orígenes. A palavra "apócrifo" significa "escondido" porque os judeus costumavam enterrar os livros que respeitavam, mas não consideravam adequados, sendo essa uma alternativa muito mais interessante do que a queima do material, que apenas repousava num lugar isolado para apodrecer naturalmente. Jerônimo, ao distinguir como "apócrifo" o material respeitável, mas por ele considerado não inspirado, abriu precedentes para o uso desse termo como definição de documentos produzidos por cristãos e por alguns considerados relevantes, mas que não possuíam as credenciais necessárias para serem tidos como inspirados por Deus - o próprio Jerônimo considerou o livro cristão "O Pastor", de Hermas, como um edificantes apócrifo. Aberto tal precedente, logo toda a espécie de produção literária cristã, herege ou não, tinha potencial para ser considerada como "apócrifa". As fontes para as alegações desse parágrafo estão na Parte 1. É claro que houve desprezo por certos materiais, mas a palavra "apócrifo" nunca deve conotar perseguição literária e religiosa, como costumeira e forçadamente se faz parecer.

- Quanto custa um apócrifo?
É muito fácil para o jovem abastado de hoje criticar a não existência dos antigos apócrifos do período cristão nas nossas bíblias sagradas, já que hoje se imprime um livro em questão de minutos. Mas nos períodos iniciais da Igreja a realidade era bem diferente! E se considerarmos o número de livros que os críticos das Escrituras reivindicam, teríamos uma Bíblia com mais ou menos metade do tamanho a mais. Ora, a comunidade cristã das primeiras décadas era pequena demais para promover a exaustiva cópia de qualquer documento - considerando que muitas igrejas não tinham nem todos os livros e cartas considerados inspirados. Diante da pequena quantidade de cristãos, a maioria vivendo intensamente mediante as severas perseguições desferidas pelo Império Romano, considerando a grossa fatia de pessoas humildes que constituíam a membresia das congregações e, portanto, os recursos disponíveis, em termos materiais e intelectuais, para copiar manuscritos, podemos entender bem o que levou os "livros indignos" a serem simplesmente esquecidos pela grande maioria. Ninguém queria arriscar a vida, investir um dinheiro que não tinha e ficar quase um ano copiando textos incoerentes. Geralmente as igrejas só tinham recursos para copiar uma carta apostólica de cada vez, as usando exaustivamente, até não sobrar nada. Você pode ler sobre o número de cristãos na Igreja Primitiva no livro "Uma Histórica Politicamente Incorreta da Bíblia", Robert J. Hutchinson, Agir, 2012, pg 192; sobre os pobres na Igreja no livro "Os Cristãos da Terceira Geração (100-130)", Eduardo Hoornaert, Vozes, 1997, pgs 64-72; sobre o peso que residia na cópia de manuscritos no artigo "Por que devo acreditar naquilo que a Bíblia diz?", da Bíblia de Estudo das Profecias, John C. Hagee, Atos, 2005, pg 925.

- Qual a necessidade de se definir um cânon?
Com o intensificar das perseguições do Império Romano contra a Igreja e o surgimento das mais diversas heresias, resultantes da distribuição irregular das cartas apostólicas e dos interesses pessoais e regionais dos leitores, o que propiciou a redação de diversas cartas e livros que entravam em contradição com o pensamento que residia nos escritos apostólicos, trabalho de gente que procurava fama, sustentar teologias incoerentes e, até mesmo, ferir a moral das correntes teológicas mais sóbrias, tornou-se necessária a definição dos livros que deveriam ser considerados como fundamentos doutrinários e históricos da Igreja. Ninguém queria morrer por livros cujos conteúdos e autorias eram incertos, ninguém queria dedicar energia e recursos na propagação de conceitos errôneos, principalmente na pequena e pobre Igreja do início da Era Cristã. A definição de um cânon daria motivos mais claros pelos quais morrer, indicaria uma base mais sólida de informações para que os apologistas confrontassem o Império Romano, facilitaria a formulação da teologia cristã, o evangelismo e, também, o enfrentamento das crescentes heresias que, opondo-se ao consenso dos livros mais confiáveis e tradicionais do Novo Testamento, seriam desconsideradas como posições da Igreja. Para selecionar os livros adequados, além de questões históricas e do entendimento de diversos Pais da Igreja, foram realizados consensos para as definições teológicas e canônicas e, após séculos de intensos debates, as conclusões fundamentais sobre a constituição do Novo Testamento foram estabelecidas e, algum tempo depois, solucionadas as questões teológicas mais urgentes. Um relato breve sobre a perseguição dos cristãos dos primeiros séculos você pode encontrar no livro "Os Cristãos", Tim Dowley, Martins Fontes, 2009, pgs 15-18; sobre a redação e a formação do cânon do Novo Testamento, leia no livro "Os Cristãos", Dowley, pgs 22-27; sobre as heresias e os concílios, leia no livro "Os Cristãos", Dowley, pgs 36-43.

- Afinal, o que define a palavra "cânon"?
Assim como "apócrifo", a palavra "cânon" também foi maldosamente interpretada. O cânon não foi formulado como um Index que proibia a leitura de todos os livros cristãos que não constassem nele, não! Na verdade "cânon" apenas definia o material comprovadamente escrito por determinado autor - se eu quero fazer uma lista de livros de J. R. R. Tolkien, montarei um cânon no qual conste o material que certamente foi escrito por ele, excluindo qualquer outro escrito, que não estará indisponível para mim, mas que também não será aconselhável de se ler caso eu esteja procurando apenas pelo pensamento de Tolkien. É como um índice, um menu, um mapa que me orienta a encontrar aquilo que eu estou procurando - nesse sentido, a definição do cânon das Escrituras foi de valor imprescindível: se o cristão queria ler sobre Paulo, por exemplo, facilitaria ter em mãos uma lista de livros que, com base no consenso e na análise, certamente seriam desse autor. Se ele queria ler Paulo, seria uma pena acabar lendo, sem saber, o livro de um "zé ninguém" que assinou em nome desse apóstolo e que contradisse tudo o que o primeiro afirmou. Vamos ver o que uma das minhas fontes fala sobre isso:

"Em gramática [cânon] significa regra; em cronologia, uma tabela de datas; e em literatura, uma lista de obras que podiam ser corretamente atribuídas a determinado autor. Assim, o cânon de Platão refere-se à lista de tratados que podem ser atribuídos a Platão como genuinamente de sua autoria.
Os cânones literários são importantes, porque só as obras genuínas de um autor podem revelar seu pensamento. A inclusão de escritos espúrios na lista deformaria ou exprimiria erroneamente os princípios que ele desejava apresentar. Do mesmo modo, se não é possível estabelecer o cânon do Novo Testamento com rigor, sua autoridade será incerta e não poderá haver um padrão fixo para a fé e a vida. (...)
O cânon não pode ser determinado unicamente pela aceitação dos vários livros do Novo Testamento pela igreja. Alguns foram recebidos prontamente em muitas igrejas; alguns poucos foram aceitos com hesitação por certas igrejas e rejeitados por outras; e alguns outros ainda só foram mencionados em data relativamente tardia, ou então seu direito de ser incluído no cânon foi realmente debatido. (...) Tampouco, era verdade que aqueles que tinham a responsabilidade de julgar [os livros] fossem tão destituídos de espírito crítico que aceitassem qualquer coisa que impressionasse a sua imaginação, independentemente de seus méritos inerentes. A crítica dos antigos não era menos falível que a dos especialistas modernos. Por outro lado, os antigos tinham acesso a registros e a tradições que já pereceram, e seu testemunho não pode ser posto de lado simplesmente por não pertencer ao século XX."
Para a inclusão dos livros no cânon, era necessário:
"Primeiro, a inspiração desses documentos pode ser apoiada pelo seu conteúdo intrínseco. Segundo, essa inspiração pode ser corroborada pelo seu efeito moral. Finalmente, o testemunho histórico da igreja cristã mostrará o valor que era dado a esses livros, se bem que a igreja não fizesse com que eles fossem inspirados ou canônicos" isso estava nos próprios livros. "(...) todos eles têm como tema central a pessoa e a obra de Jesus Cristo", mesmo que contem sobre o fruto de Sua obra. "Os apócrifos, tanto os evangelhos como Atos, preocupam-se mais com milagrarias do que com o ensino, e as poucas epístolas apócrifas não passam de mosaicos de trechos extraídos do cânon reconhecido. Em precisão de narrativa, de profundidade de ensino e do aspecto cristocêntrico, há uma diferença discernível entre os livros canônicos e os que o não são." Fonte: O Novo Testamento, Sua Origem e Análise, Merrill C. Tenney, Shedd Publicações, 2008, pgs 409-411 (se tiver acesso ao material, leia até a pg 430). Estava no cânon aquilo que correspondia ao pensamento dos autores e ao pensamento do autor principal, o próprio Deus, de modo que os indivíduos que escreveram os livros tidos como "inspirados" deveriam ter tido contato com o próprio Cristo ou com pessoas que seguiram Jesus, lembrando que a sua obra só era discutida como canônica ou não se tivesse sido bem aceita pela Igreja em geral desde a sua primeira divulgação. Os apócrifos, todos eles, só foram aceitos por pequenos grupos regionais, interessados em questões incompatíveis com o Evangelho.

- A negação dos apócrifos e o seu conteúdo:
Vamos começar reforçando sobre os critérios de aceitação de manuscritos no Novo Testamento, com uma breve narrativa histórica desse processo, que você pode encontrar com mais detalhes na postam "Como o Cânon das Escrituras foi Escolhido?":

Alguns especialistas dizem que o primeiro a definir um cânon para as Escrituras foi o herege Marcião, mas bem sabemos que ele não foi o primeiro a considerar as cartas de Paulo e o evangelho de Lucas como inspirados e que seu objetivo primordial era excluir os livros que lhe incomodavam, mas que já eram bem aceitos pela Igreja. Por volta de 180 d.C. surgiu o Cânon Muratoriano, que excluiu a maioria das Cartas Gerais e, mais ou menos nessa época, Irineu, discípulo de Policarpo, por sua vez discípulo do Apóstolo João, lançou a sua sugestão sobre os livros inspirados do Novo Testamento (os Evangelhos, Atos, Romanos, 1 e 2 Coríntios, 1e 2 Timóteo, Tito, 1 Pedro, 1 João e Apocalipse) e a discussão sobre o tema se estendeu até o século IV, depois que Eusébio e Atanásio lançaram suas sugestões e foram realizados os concílios de Laodiceia (363), Hipona (393) e Cartago (397), somente possíveis assim que oficializada a Igreja e interrompida a perseguição aos cristãos. É válido considerar que por volta do final do Primeiro Século a maioria dos cristãos já compreendia como canônicos os mesmos 27 livros que hoje constituem o Novo Testamento. Também é importante considerar que as listas sugeridas nos concílios citados não trouxeram nenhuma novidade, apenas fortaleceram aquilo que as igrejas já consideravam - no Manual Bíblico Unger, Merrill Frederick Unger, Vida Nova, 2006, pg 711, fala-se de citações corretas sobre o cânon do Novo Testamento datando 96, 140 e 150 d.C. Que tais informações sirvam como resposta para as alegações de que "meia-dúzia de cara se reuniram num dia e escolheram os livros que deveriam ser aceitos e os que deveriam ser descartados". Fonte: A Bíblia de Estudo Arqueológica, Vida, 2013, pg 2022.

"Uma coisa precisa ser afirmada com toda ênfase: os livros do Novo Testamento não se tornaram escritos revestidos de autoridade para a igreja porque foram formalmente incluídos em uma lista canônica; pelo contrário, a igreja incluiu-os no cânon porque já os considerava divinamente inspirados, reconhecendo neles o valor inato e, em geral, a autoridade apostólica, direta ou indireta." Fonte: Merece Confiança o Novo Testamento?, F. F. Bruce, Vida Nova, 2010 pg 36.

Os critérios de canonização:
- O texto deveria refletir a doutrina ortodoxa. Textos que entrassem em contradição com a doutrina entendida pelos primeiros cristãos deveriam ser desconsiderados.
- O cânon deveria incluir os relatos mais antigos e mais fiéis a respeito de Jesus e a respeito da Igreja Primitiva. Foram selecionados apenas textos de apóstolos ou de pessoas associadas a eles. Os textos que afirmavam ser de autoria apostólica eram analisados cuidadosamente e se suspeitas quanto a sua autenticidade fossem levantadas, eram descartados. Os evangelhos de Marcos e Lucas foram escritos por um companheiro de Pedro e por um colaborador de Paulo, os outros evangelhos, cartas e o livro de Apocalipse apresentam inquestionáveis conexões apostólicas.
- Textos que eram populares apenas numa única região eram considerados duvidosos, enquanto aqueles que nutriam grande aceitação, tanto no Oriente quanto em Roma, eram incluídos no cânon. Mesmo que alguns tetos apostólicos tenham sido escritos para comunidades locais, seus conteúdos eram rapidamente considerados úteis para todas as congregações.
Textos como "O Pastor", de Hermas, e a "Epístola de Barnabé" eram tidos com muita estima pelos cristãos, mas não foram considerados canônicos porque foram escritos muito tarde e não tinham relação direta com os apóstolos ou seus seguidores. Tais textos não continham nenhuma heresia e, portando, não foram desprezados, servindo como leitura devocional para muitos cristãos. Assim derrubamos a alegação de que "os cristãos eram orientados a não ler todos textos que estivessem fora do cânon". Fonte: A Bíblia de Estudo Arqueológica, Vida, 2013, pg 2022.

Os pseudepigráficos:
"Coleção de livros não canônicos de escritores judeus e cristãos" que "nunca se aproximaram a posição canônica".
Embora, em sua maioria, sejam textos judaicos, muitos foram escritos no início da Era Cristã e houve algum debate sobre a sua autoria e validade. "Pseudepígrafo" define todo o livro judaico que possui uma assinatura falsa, que geralmente alega ser de uma grande figura do Antigo Testamento, como Moisés, Enoque ou Abraão. A maioria desses livros foram escritos entre 250 a.C. e 200 d.C.
Testamentos dos Doze Patriarcas: série de documentos que afirmam ser os "testamentos" dos patriarcas das tribos de Israel. Provavelmente tal obra foi escrita no século II a.C., mas a sua forma atual indica a revisão posterior de um cristão. Fica evidente a influência do estoicismo nos textos.
Testamento de Salomão: uma bizarra história, na qual Salomão recebe um anel mágico do arcanjo Miguel e o utiliza para controlar demônios. Foi escrita por volta do século I e II d.C.
Testamento de Moisés: trata-se de um texto em que Moisés aparentemente prediz a história de Israel de Josué ao pós-exílio. Acredita-se que tenha sido escrito por volta do século I d.C.
Salmos de Salomão: resume-se numa coleção de salmos escritos no século I d.C. como reação à ocupação romana na Palestina. Nesse livro é predita a suposta vinda de um Messias que lideraria os judeus numa vitória contra os exércitos romanos.
Jubileus: afirma ter sido escrito por Moisés e faz uma recontagem de Gênesis e Êxodo. Tal obra foi escrita entre o século II a.C. e I d.C. Apresenta alguns aspectos estranhos, como uma atenção especial para Rebeca e a consideração de que o grande massacre de Siquém (Gn 34) foi algo louvável.
1 Enoque: os místicos antigos, judeus ou cristãos, eram fascinados por Enoque. O livro é o primeiro de muitos "relatos" sobre a ascensão de Enoque ao céu, porém tal obra é um compósito de textos escritos escritos do século III a.C. ao século I d.C. A obra possui um caráter fantástico, falando, por exemplo, da "rebelião dos vigilantes", os anjos que, segundo Gênesis 6:1-4, tomaram mulheres como esposas. Noutro ponto, Enoque é levado pelo anjo Uriel e vê os portões fora dos quais o Sol e a Lua nascem e se põem.
Testamento de Jó: nesse livo Jó é apresentado fazendo uma revisão da sua vida, aparentemente foi escrito por volta do ano 100 a.C. e é possível supor que seu autor pertencia a uma estrita seita judaica, a dos hasidim.
Martírio de Isaías: um livro parcialmente judaico e parcialmente cristão, que sobreviveu apenas em etiópico. Fala sobre o martírio do profeta e, na inclusão cristã, mostra uma aparição do diabo e relata a história cristã até os dias de Nero. Outra obra marcadamente cristã e a Paralipômenos de Jeremias. Esses são os pseudepígrafos palestinos, mas existem vários outros de judeus helenizados, como 3 e 4 Macabeus.
Judas, versículo 9, cita uma passagem do apócrifo Enoque, mas nada impede que algumas obras pseudepigráficas tenham preservado algumas tradições genuínas, mas seria arriscado demais tomar esses apócrifos em sua totalidade como fontes confiáveis. Paulo, por exemplo, cita filósofos pagãos (At 17:28; 1 Co 15:33; Tt 1:12), mas isso não indica que tais filósofos tenham produzido obras inspiradas por Deus. Outra interpretação sugere que Judas inseriu essa passagem por pertencer a uma tradição oral bastante consolidada que, por esse motivo, também marcou presença nos textos pseudepigráficos.
Fonte: A Bíblia de Estudo Arqueológica, Vida, 2013, pgs 2041 e 2086; O Novo Dicionário da Bíblia, J. D. Douglas, Vida Nova, 2012, pgs 1111-1113.

A pseudonimidade e o Novo Testamento:
A ideia de atribuir obras a nomes supostos consistia numa prática muitíssimo difundida no Mundo Antigo, amplamente aceita e, em vários casos, advinda de boas intenções. No mundo grego muitos escritos de alunos eram atribuídos aos seus mestres, dos quais haviam aprendido a sabedoria (isso ocorre, por exemplo, entre os seguidores de Platão); textos de cunho retórico eram comumente atribuídos a pessoas famosas e não raramente se publicavam manuscritos supostamente assinados por autores populares, almejando vender mais. Posteriormente os gregos fizeram isso para sustentar doutrinas. A pseudonimidade era conhecida no mundo judeu e revelada nos textos comentados anteriormente, principalmente porque, com a cessação da atividade profética reconhecida pelos hebreus, era necessário atribuir o texto a uma personalidade profética antiga para que ele fosse devidamente reconhecido. A questão da pseudonimidade no mundo cristão, porém, foi a mais complexa e hostil de todas:

- Os textos pseudepigráficos cristãos vieram mais da tradição judaica do que grega.
- Havia paralelos pseudônimos de todos os tipos de literatura neotestamentária (Evangelhos, Atos, Epístolas e Apocalipses).
- A maioria dos textos pseudepigráficos do período neotestamentário brotou de fontes heréticas, o que justifica muito bem a necessidade de se falsificar assinaturas."Doutrinas esotéricas, fora da teologia da ortodoxia cristã, procuravam apoio mediante a teoria que os ensinos secretos haviam sido transmitidos aos iniciados de uma seita, ainda que tivessem sido ocultados de outros". Outro apelo dos pseudepígrafos cristãos está na sua aproximação cronológica dos autores originais do Novo Testamento.
- O fato de a pseudonimidade ser um fenômeno generalizado no Mundo Antigo não indica que a Igreja tenha aceitado tranquilamente esse tipo de material. A evidência sugere que uma posição firme foi tomada por ela contra tal prática (tendo como exemplo o comportamento de Serapião e Tertuliano e o cânon Mauritânio). Tertuliano chegou a registrar o desligamento de um presbítero da igreja asiática que confessou ter escrito o livro "Atos de Paulo", demonstrando que essa prática não era aceita pela Igreja.
Fontes: O Novo Dicionário da Bíblia, J. D. Douglas, Vida Nova, 2012, pgs 1114-1115.
- Existem apócrifos que certamente foram criados com boas intenções, como o "Atos de Pilatos", que apresenta o procurador romano como um simpatizante de Cristo e, inclusive, homenageia a sua esposa, mas que a Igreja rejeitou, indicando que os cristãos não estavam preocupados em considerar textos simplesmente por seu conteúdo ideológica e politicamente proveitoso, tendo os critérios teológicos e a peneira de seleção canônica a primazia - e a ausência de textos apócrifos no cânon, mesmo os potencialmente úteis como o "Atos de Pilatos", demonstra que a Igreja não se preocupou em tomar material conveniente e alterar os pontos teologicamente incoerentes para facilitar a sua aceitação. Havia muita honestidade e sinceridade nas conclusões dos cristãos da Igreja Primitiva. Fonte: Jesus, Christiane Rancé, L&PM Pocket, 2012, pg 258.

Conclusão:
- O cânon não foi selecionado por apenas algumas "pessoas egoístas". Os métodos utilizados pela multidão que se envolveu nesse trabalho foram bastante coerentes.
- A definição do cânon do Novo Testamento é fruto de séculos de estudos e aquilo que foi finalmente definido apenas oficializava o entendimento comum da Igreja.
- O cânon existia por uma questão que, na literatura, é muito lógica: organizar o material de um determinado autor.
- A prática de assinar documentos com nomes de pessoas famosas era muito comum na Antiguidade, de modo que não podemos aceitar qualquer coisa só porque afirma ter sido escrita por alguém em quem confiamos.
- Os apócrifos pseudepigráficos nunca foram muito aceitos pela Igreja, com ou sem cânon oficialmente definido.
- Há relatos claros de falsificação de assinaturas em documentos cristãos antigos.

Natanael Pedro Castoldi

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