Navigation Menu

É a primeira vez que
você acessa este blog
neste computador!


Deseja ver antes
nossa apresentação?


SIM NÃO

A Plenitude dos Tempos - o Mundo Mediterrânico e o Cristianismo

"Mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho", Gálatas 4:4. "Plenitude dos Tempos", é assim que a Bíblia define o período no qual o cristianismo floresceu, demonstrando que a fé cristão não brotou do nada, não brotou do caos, não brotou da aridez, pelo contrário! Foi justamente o desenvolvimento político, filosófico e religioso que propiciou a expansão da Boa Nova, ou seja: quando o homem mediterrânico chegou no ápice, mergulhado num sofisticado sistema político, nas profundezas de uma longuíssima tradição filosófica e no topo de uma milenar jornada religiosa, é que o cristianismo apareceu. É sobre isso que trabalharemos na sequência.

- História Eclesiástica, Eusébio de Cesaréia, CPAD, 2012, pgs 19-21:

1 - A civilização
A grandiosa obra de Eusébio, um dos primeiros historiadores cristãos, 263-340 d.C., retrata os quatro primeiros séculos da história da Igreja, coisa que acrescenta a esse documento um valor inestimável. Logo em suas primeiras páginas é dito que o cristianismo não foi apresentado ao homem num período mais remoto porque a mente humana só foi se tornou suficientemente apta para as profundezas da mensagem de Cristo nos primeiros tempos do Império Romano:

"A vida dos homens, em tempos antigos, não era capaz de receber a doutrina de Cristo na plenitude totalmente abrangente de sua sabedoria e virtude".

Eusébio compara a mente primitiva dos povos pagãos pré-judaicos com a excelência da Lei, como o mais poderoso recurso divino pré-cristão para a formação de uma mentalidade propícia para a vinda de Cristo:

"Mas a lei deles obteve celebridade e como um perfume agradável foi espalhada por toda a parte, entre todos os homens. E por meio dessa lei, a mente dos homens, mesmo entre a maior parte dos gentios, foi mudada por legisladores e filósofos em todo lugar. A brutalidade selvagem e irrestrita foi trocada pela suavidade, de modo que se obtiveram profunda paz, amizade e relação mútua. Foi então que, quando todos os homens de todo o mundo e em todas as nações estavam, por assim dizer, previamente preparados e ajustados para a recepção do conhecimento do Pai, Ele mesmo voltou a se manifestar (...). Ele se manifestou num corpo humano". 

O Cristianismo Através dos Séculos, Earle E. Cairns, Vida Nova, 2008, pgs 31-38:

2 - Política Romana:
a - A forma profunda com que Roma desenvolveu um senso de humanidade sob uma lei universal foi inédita. A mensagem de caráter global disseminada pelos romanos, englobando toda e qualquer cultura e raça, combinava muito bem com a Boa Nova, que nos diz que todos os homens estão sob a pena do pecado e que a todos é igualmente oferecida a salvação por meio de Cristo, salvação essa que integra todos os cristãos num organismo universal, que é a Igreja.
b - Roma unificou os territórios mediterrânicos e aniquilou os piratas que dificultavam as navegações livres pelo Mar, o que possibilitou que a mensagem do Evangelho fluísse com rapidez pelas águas da Palestina até a Península Ibérica. 
c - O sistema de estradas criado por Roma era excelente. Ao mesmo tempo que essas estradas facilitaram a circulação das legiões que massacraram cristãos por todo o Império, facilitou tremendamente as viagens por terra em quase todo o território que os romanos dominavam na época - é claro que os missionários cristãos fizeram uso desse ótimo recurso. 
d - A Pax Romana (30 a.C. - 180 d.C.) tornou as viagens por terra e mar mais seguras - era difícil encontrar salteadores nas estradas e nas rotas marítimas. Fonte: Panorama da História da Igreja, Curso Vida Nova de Teologia Básica, James P. Eckman, Vida Nova, 2010, pg 13.
e - O exército romano encarnava o ideal de um estado universal, uma vez que unia indivíduos das mais diversas províncias, já que faltavam cidadãos puramente romanos para o serviço militar. Assim, os provincianos entravam em contato com a cultura romana e ajudavam a disseminá-la por todas as terras imperiais. Certamente alguns legionários eram cristãos (digo alguns, pois os cristãos, de modo geral, ficaram séculos se recusando a entrar no exército) e se sabe que outros tantos se converteram ao cristianismo durante as longas viagens, explicando, dessa forma, a entrada precoce do cristianismo em regiões tão remotas quanto a Grã-Bretanha e a sabida presença de cristãos até mesmo na mais alta patente das tropas imperiais - dentre a guarda pretoriana, os defensores pessoais do imperador.
f - O poder avassalador de Roma, conquistando uma quantidade incontável de povos, produziu multidões de descrentes: o bárbaro perdia a fé em seus deuses tradicionais ao perceber que eles fracassaram mediante os poderes romanos. Esses povos mergulharam num vácuo religioso. Havia um desânimo religioso crescente no período em que Cristo veio ao mundo: o culto ao imperador era mais uma forma de preservar o conceito de "Império Romano" e as religiões tradicionais, seja a religião romana, sejam as religiões bárbaras, mostravam-se frias, distantes e insuficientes. A sede por uma religiosidade mais mística e pessoal fez com que as "religiões de mistério" se espalhassem rapidamente - elas ajudavam a suprir as necessidades emocionais do povo. Além disso, as religiões de mistério enfatizavam um deus-salvador, aplainando o caminho para a proposta cristã - quando muitos descobriram que os sacrifícios de sangue dessas religiões nada poderiam fazer por eles, acabaram aceitando o cristianismo.

3 - Pensamento grego:
a - A pregação de uma Boa Nova Universal exigia uma língua universal e, combinando com o contexto político fornecido por Roma, a dominação cultural grega supriu essa necessidade: o grego era falado como primeira ou segunda língua em basicamente todos os territórios do Império, o que facilitou tremendamente o evangelismo. Já antes de Cristo havia uma tradução grega para o Antigo Testamento, coisa que combinou muito bem com a redação do Novo Testamento, todo em grego desde o traço original.
b - A filosofia grega preparou o mundo para o cristianismo ao destruir as antigas religiões. Qualquer pessoa que entrasse em contato com alguma profundidade do pensamento grego logo percebia que o politeísmo era algo verdadeiramente absurdo. O problema é que a filosofia, enquanto afastava as pessoas de suas religiões tradicionais, nada tinha a oferecer em termos espirituais, colocando o pensador numa perturbadora condição de angústia e vazio e levando-o a procurar algum conforto nas religiões de mistério. A filosofia tendia a tratar Deus como algo abstrato e intelectual, jamais podendo revelá-Lo como um Deus pessoal e amoroso - fracassando nisso, o pensamento grego preparou as pessoas para entender uma apresentação mais espiritual da vida e pender para o cristianismo. Outros detalhes importantes da filosofia grega que criaram um terreno propício para o cristianismo são a sua concepção da existência de um mundo que existia além da realidade temporal dos sentidos e a sua noção da existência de Certo e Errado.
Do livro Monges Medievais, Ricardo da Costa, Eliane Ventorim e Orlando Paes Filho, Planeta, 2004, pg 9: "Além disso, os cristãos, ao estudarem o pensamento greco-romano, desenvolveram melhor suas próprias ideias, reelaboraram-nas, tornaram-nas mais sofisticadas com o suporte da filosofia clássica. Assim, o pensamento dos autores - especialmente os filósofos gregos - foi relido pelo pensamento cristão, como se esses escritos tivessem sido feitos já prevendo a vinda de Cristo."

4 - Religiosidade judaica:
a - O monoteísmo pregado pelos hebreus, o único povo que, no Império Romano, professava uma fé assim, possibilitou um alastrar mais rápido do cristianismo, que não só é monoteísta, como se identifica profundamente com o monoteísmo judaico.
b - Com base nas centenas de profecias veterotestamentárias que professavam a vinda de um messias salvador, um libertador dos hebreus, os judeus estavam muito abertos à mensagem de Cristo, principalmente porque tal mensagem, juntamente com os eventos que permearam a vida de Jesus, concordavam espantosamente com aquilo que os profetas haviam dito séculos antes.
c - O sistema ético contido no Antigo Testamento ajudou a configurar a mente dos judeus de modo propício para a pregação de Cristo, fazendo com que a revolucionária mensagem moral do Messias não fosse tida como fruto da pregação de um lunático qualquer.
d - O Antigo Testamento foi, provavelmente, a maior contribuição de todas para a Igreja, uma vez que serviu como livro sagrado também para os primeiros cristãos, que ainda não tinham uma definição oficial para o cânon do Novo Testamento.
e - Para os judeus o relato da história era linear, não cíclico. A sua filosofia da história apontava para o cataclismo e para a redenção final, através de um processo de evolução histórica - é dentro de tal perspectiva que se encaixa o cristianismo.
f - Todo o pensamento judaico sobrevivia poderosamente em grande parte do Império Romano através das sinagogas, que, portanto, constituíam uma vastíssima rede de pregação do Evangelho - células evangelísticas no seio do Império.

Conclusão: o cristianismo encontrou o seu espaço na paz, não na guerra; o cristianismo encontrou o seu espaço na filosofia e no distanciamento da religião, não nos paganismos irracionais; o cristianismo encontrou o seu espaço dentro da ordem política e moral, não no caos. Todas as melhores qualidades do período próximo da vinda de Cristo favoreceram o crescimento do cristianismo e, como bem sabemos, quando a guerra devorou a Europa, quando os bárbaros aniquilaram o conhecimento greco-romano, quando o caos se alastrou, essa mesma instituição, essa que brotou da ordem, foi a única responsável pela preservação da mesma, pela manutenção da civilização, pelo resgate do berço que tão bem a acolheu nos tempos de seu nascimento.

Isso tudo é verdade, mas quero que fique claro que nem tudo foi tão bonito para o cristianismo nos primeiros momentos: essa fé tão espetacular demonstrou extremo poder ao superar o centenário pensamento grego e ao se alastrar como fogo na palha por entre religiões milenares e bastante sólidas, estabelecidas na mente, na tradição, na política e na economia. Jesus escandalizou judeus, gregos e romanos com Sua constituição, Seu comportamento e Sua mensagem. Não somente o fundador do cristianismo foi morto de modo humilhante, como quase todos os seus discípulos, que iniciaram uma tradição de séculos de perseguição - lembremos dos milhares de seguidores de Cristo que morreram estraçalhados por feras nas arenas, que foram queimados vivos, que firam linchados por multidões, cozidos em óleo fervente, grelhados nas chamas ou crucificados. Lembremos que, antes de ser entendido que a Igreja era a melhor forma de salvar Roma, os imperadores culpavam os cristãos pelos fracassos romanos e pela decadência do Império, assim estimulando a sua aniquilação total. Se religiões costumam surgir de necessidades também instintivas do ser humano, então o cristianismo é uma anomalia: ninguém carecia de religiões no Mediterrâneo, que estava abarrotado delas - e as religiões de mistério eram uma saída instintiva e emocionalmente melhor que o cristianismo, uma vez que o cristão se colocava em rota de colisão direta com o Imperador, praticamente comprando a própria marginalidade e morte. Apenas um evento real e poderoso poderia sustentar um crescimento tão rápido do cristianismo, o maior gerador de mártires: sim, a Ressurreição realmente aconteceu e abalou os fundamentos do mundo como um asteroide que cai ou a flamejante explosão de um vulcão.

Natanael Pedro Castoldi

Postagens que fundamentam esse artigo:

0 comentários: